A recuperação das cooperativas de catadores atingidas pela enchente em Porto Alegre será feita com recurso federal. A intenção da prefeitura é buscar recurso com a Defesa Civil Nacional e firmar o serviço numa espécie de contrato “guarda-chuva”, que atenda ao conjunto das sete unidades contratadas pelo poder público que ficaram debaixo d’água no mês de maio. Um balanço da situação está em elaboração. Outros galpões também foram afetados, mas não têm convênio com o município.
Para isso, será necessário recompor estragos pontuais e estruturais dos galpões, e, principalmente, consertar o maquinário que estragou no contato com a água, como esteiras por onde passam os resíduos, empilhadeiras e prensas – além da própria rede de energia dos espaços. Conforme a prefeitura, no entanto, não será possível usar o recurso da Defesa Civil para compra de novos equipamentos – as cooperativas pedem que ao menos se garanta o reparo.
“A engenheira (da prefeitura) vai fazer, junto às lideranças de cada cooperativa, um levantamento de como era a situação anterior, o que tem de estrago dessa enchente e os custos”, explica João Ruy Dornelles Freire, diretor de Empreendedorismo Social da Secretaria de Desenvolvimento Social, em visita à Cooperativa de Educação Ambiental e Reciclagem Sepé Tiaraju, no bairro Navegantes, na segunda-feira. Ele esteve acompanhado da secretária Ana Pellini, de Parcerias, da promotora Annelise Steigleder, do Ministério Público Estadual, e do procurador Rogério Fleischmann, do Ministério Público do Trabalho. Outros galpões também foram visitados.
Na Sepé Tiaraju, Núbia Luísa Vargas, que preside a cooperativa, conta que os problemas estruturais tiveram início no ano passado, em um temporal, com a perda de algumas telhas. O reparo veio do apoio de voluntários. Mas,
no temporal de janeiro deste ano, uma parte maior do telhado se desintegrou e até agora as telhas não foram recolocadas. Parte de uma parede cedeu e alguns tijolos já caíram. A cooperativa está em terreno e prédio cedidos pelo município, responsável pelo reparo, que segue sem apresentar uma previsão para o conserto.
Somado a isso, na enchente de maio, toda a parte interna de um imóvel em frente ao galpão, onde funcionava o refeitório e o administrativo, foi tomada pela água. Comida, documentos, móveis, panelas, tudo se perdeu. Algumas pastas, no alto de uma prateleira, restaram para contar a história da cooperativa criada em 2014. Do galpão, ainda não foi possível verificar se os equipamentos estão funcionando. Todo resto virou rejeito, assim como inúmeros fardos de resíduos que já haviam passado pela seleção por tipo e seriam vendidos.
Como é
dessa venda que os catadores tiram a partilha, a renda foi fatalmente comprometida em maio e o cenário permanecerá enquanto a estrutura do galpão não for recuperada e os cooperados não puderem retornar ao trabalho. “Todos os dias vem o resíduo de toda a cidade pra cá e a gente trabalha incansavelmente, oito horas por dia. As cooperativas são a solução do problema. Precisamos urgentemente ser valorizados, precisamos ganhar pelo serviço prestado”, reivindica Núbia.
Entre segunda e sexta-feira da semana passada, Anita Cristina de Jesus mobilizou, através da
campanha SOS Catadores, apoios, prestadores de serviço e voluntários para participarem de um mutirão de limpeza na Cooperativa de Educação Ambiental e Reciclagem Sepé Tiaraju, em Porto Alegre. O galpão fica no bairro Navegantes, uma dos afetados pela enchente de maio, e o pedido por ajuda partiu de Núbia Luísa Vargas, presidente da cooperativa. A ação foi realizada na manhã e tarde de sábado, dia 8.
“Foi bem produtivo, o pessoal pegou junto”, celebrou Anita. Cerca de 30 pessoas compareceram. Paola Albuquerque, oceanógrafa que trabalha com a limpeza de praias, esteve pela primeira vez no galpão. “A gente vê como esse problema acaba chegando em todos os lugares”, aponta.
Paola participou a convite da mãe, Ana Mercedes Sarria Icaza, professora da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). “A Universidade tem que se apropriar dessa realidade e trabalhar em cima dela”, pondera a professora. Ela e os estudantes Li Rassier de Andrade, do curso de Administração Pública e Social, e Camille Soares Tocchetto, do Direito, integram o Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa. Junto aos catadores e a outros grupos que já atuam com a categoria, pretendem realizar um diagnóstico e traçar uma linha de atuação.
“Uma liderança nos disse para fazermos determinadas escolhas em detrimento de outras na hora de ir ao mercado. É o tipo de resíduo que vamos escolher para ter em casa que eventualmente vai estar no fim da cadeia”, alerta Camille. Para Li, “é uma obrigação de todo mundo saber o que está acontecendo. Por as pessoas não assumirem essa obrigação, acaba que só os catadores sofrem as consequências da falta de educação ambiental de todos”.
Núbia se emocionou ao agradecer a ajuda dos voluntários. “Tenho gratidão por todos vocês”. E destacou que a mobilização é para “defender o meu trabalho, as outras cooperativas e os meus irmãos de luta, que são os catadores”.
Esta série de reportagens é realizada com apoio da Bolsa de Produção Jornalística sobre Reciclagem Inclusiva 2023, concedida pela Fundação Gabo em parceria com a plataforma Latitud R. Os conteúdos estão
disponíveis no blog Pensar a cidade, no site do JC. Confira o que já foi publicado: