Assim como em 1941, a primeira semana de maio de 2024 é a mais dramática da
enchente que atinge Porto Alegre e das
chuvas que devastaram mais da metade dos municípios gaúchos. No mesmo dia 6 de maio, 83 anos atrás, o extinto Diário de Notícias dizia na matéria de capa: “Já não há mais dúvida: estamos em face da maior enchente que até hoje conheceram Porto Alegre e o Rio Grande do Sul”. Outra coincidência com 1941 é a influência do
fenômeno climático El Niño, que naquele momento foi igualmente classificado como de intensidade forte.
Há oito décadas, parte da Capital ficou 22 dias debaixo d’água.
Em 8 de maio a cheia alcançou a marca de 4,76 metros no Centro Histórico. Uma linha do tempo contando como foram aqueles dias, os fatores que contribuíram para o avanço e o recuo das águas, além das providências tomadas na tentativa de evitar que se repetisse o cenário trágico, foram tema da série de reportagens
“A maior enchente que Porto Alegre já viu”, assinada pelo jornalista
Marcus Meneghetti no
Jornal do Comércio quando o fato histórico completou 80 anos, em 2021.
O marco de 1941 foi superado na virada de sexta para sábado e, na manhã do último dia 4, a água ultrapassou a pequena placa metálica na parede do Mercado Público que lembrava a altura atingida na cheia de dimensão nunca antes registrada em Porto Alegre. Neste domingo, 5 de maio de 2024, chegou ao seu ápice: 5,33 metros.
Naquela época, a tragédia levou as autoridades municipais e estaduais a debater e decidir pela construção de
barreiras contra a inundação da cidade pelos rios Guaíba, Jacuí e Gravataí. Duas décadas – e outra cheia, em 1967 – depois, o sistema de proteção foi implementado. Previsto para frear qualquer ameaça de catástrofe climática que acometa o Estado, une o Muro da Mauá e uma série de diques ao sistema de drenagem da cidade. Agora, está sendo colocada à prova e deixa expostas falhas – sejam do sistema em si, sejam da falta de aperfeiçoamento com o passar dos anos e com o agravamento da crise do clima.
Centro Histórico está entre as áreas afetadas; na foto, Rua Uruguai e Paço Municipal em 1941. Foto: Sioma Breitman/Acervo Família Breitman/Reprodução/JC
As áreas alagadas em 1941 e agora não são exatamente as mesmas, até porque o desenho urbano da cidade passou por grandes mudanças desde então. Mesmo assim há áreas com enchente que coincidem nas duas ocasiões: o Centro Histórico, os bairros do 4º Distrito e parte da Cidade Baixa. Nestas e em outras áreas, aterros expandiram o traçado original de Porto Alegre. O início foi desordenado e gradual, ainda no século XIX, formatando lugares como a Praça da Alfândega e o largo do Mercado Público. A implementação dos aterros se tornou mais ordenada na virada para o século XX, com a construção do novo Porto na Capital, obra do governo do Estado. A primeira parte, o Cais Mauá, foi inaugurada em 1921. A expansão seguiu para o norte com o Cais Navegantes entregue em 1949 e o Cais Marcílio Dias em 1956.
Já na metade do século XX, outra obra, há décadas desejada pelo poder público municipal, começou a tomar forma. Partindo do Centro Histórico em direção à Zona Sul, o aterro Praia de Belas teve relação com outra grande obra de engenharia de Porto Alegre: a canalização do Arroio Dilúvio (que originalmente passava por dentro dos bairros Partenon, Santana, Azenha, Cidade Baixa e Centro) e foi acompanhada da criação da Avenida Ipiranga.
Parte do sistema de proteção contra cheias se valeu dessas novas áreas da cidade. O sistema é composto por três elementos: 24 quilômetros de diques externos, às margens do Guaíba, do Jacuí e do Gravataí; 44 km de diques internos, às margens dos arroios que atravessam a cidade; e uma série de casas de bombas para drenar mecanicamente a água da chuva que se acumula nas ruas, para evitar que voltem pelos bueiros (enchente).
A função dos diques externos é evitar que os rios transbordem para dentro da cidade (a inundação). Ao norte, seguem o trajeto da avenida Castelo Branco e da Freeway, passando pelos limites de Porto Alegre com Canoas e Cachoeirinha. Ao sul, acompanham o traçado das avenidas Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio) e Diário de Notícias. As pistas para veículos estão instaladas em cima dos diques, motivo pelo qual são elevadas em relação ao resto das cidades e dos rios.
No trecho do Porto junto ao Centro Histórico, no entanto, não foi possível construir diques nem elevar a avenida Mauá: a combinação de uma região já povoada com o cais que operava a pleno, com embarque e desembarque de mercadorias comercializadas na Capital e transportadas para outras cidades do Estado, levou os gestores a decidirem pela construção do muro da Mauá, com 2,6 km de extensão, que é parte da estrutura dos diques externos.