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Plano Diretor de Porto Alegre

- Publicada em 27 de Junho de 2023 às 19:34

Para Sindicato dos Engenheiros, Plano Diretor não pode 'engessar' projetos

Fernando Martins Pereira da Silva, diretor do Senge, defende responsabilidade de engenheiros e arquitetos

Fernando Martins Pereira da Silva, diretor do Senge, defende responsabilidade de engenheiros e arquitetos


/ANA TERRA FIRMINO/JC
O Plano Diretor deve dar diretrizes do que se espera para a cidade, considerando a dinâmica social e urbana em que está inserido, acena Fernando Martins Pereira da Silva, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio Grande do Sul (Senge-RS) e representante da entidade no Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre. Quando a lei máxima do planejamento urbano "coloca muitos números" que regram as construções, Silva aponta que isso acaba engessando a cidade.
O Plano Diretor deve dar diretrizes do que se espera para a cidade, considerando a dinâmica social e urbana em que está inserido, acena Fernando Martins Pereira da Silva, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio Grande do Sul (Senge-RS) e representante da entidade no Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre. Quando a lei máxima do planejamento urbano "coloca muitos números" que regram as construções, Silva aponta que isso acaba engessando a cidade.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Silva defende que se garanta maior liberdade para engenheiros e arquitetos projetarem com base em critérios de qualidade. Ele também explica o posicionamento do Senge no processo de revisão em andamento na Capital, que é resultado do consenso tirado de um conselho da entidade, que espera uma revisão da lei pautada por estudos técnicos. Confira a íntegra no site.
Jornal do Comércio – Qual é a expectativa do Senge para a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre?
Fernando Martins Pereira da Silva – O Senge é uma entidade bastante representativa no meio técnico, dos engenheiros nas suas diversas modalidades. Temos o Conselho Técnico Consultivo, todo assunto que versa sobre questões técnicas, é feita uma reunião com todos os membros para discutir e dali temos um consenso – não quer dizer que todos concordem, mas o Senge acaba fazendo um consenso para poder divulgar. Com a participação no Plano Diretor, fizemos uma reunião junto com os técnicos da prefeitura no começo desse processo…
JC – Antes da pandemia?
Silva – Antes da pandemia, e no pós-pandemia fizemos reuniões virtuais sobre os diversos aspectos que estavam sendo discutido do Plano Diretor, porque temos diversos especialistas na área de mobilidade urbana, de planejamento urbano, de saneamento, de infraestrutura elétrica... Então juntamos todos esses técnicos do Senge, membros do conselho técnico consultivo e também das diretorias, com uma reunião aberta aos associados, para discutirmos essas ações. Vieram diversas contribuições e isso acabou gerando uma intenção do Senge e que foi demonstrada para os técnicos da Prefeitura a nossa visão sobre o Plano Diretor de Porto Alegre.

Leia também: Coluna publicará entrevistas com entidades sobre o Plano Diretor de Porto Alegre

JC – O que foi apresentado?
Silva – Teve alguns temas, como a mobilidade urbana, que é muito importante, é muito caro para nós. Também a infraestrutura, se discute muito a questão das construções, dos índices, da ocupação, mas não se discute, e isso a gente defende muito, a integração dos diversos “planos diretores”. Nós estamos falando num plano diretor de planejamento urbano e ambiental, e foi muito interessante incluir o ambiental – no sentido lato sensu, é todo o ambiente que envolve as construções, e aí estamos considerando mobilidade urbana, saneamento, infraestrutura de água, esgoto, elétrico… Tudo isso tem que ser pensado junto com o Plano Diretor, nas suas diversas especialidades.
JC – Quando você diz vários planos diretores, são planos específicos?
Silva – Isso, são específicos, que na nossa visão poderiam ser integrados ao Plano Diretor. Porque não adianta nós pensarmos num eixo, por exemplo, de um bairro onde teria uma característica em termos de urbanismo na qual não venhamos a pensar com relação à infraestrutura. Porque senão a gente começa a criar gargalos técnicos na própria cidade e aquilo que era para beneficiar, acaba prejudicando. Então, sempre que a gente avalia a revisão do Plano Diretor, avalia sob diversas óticas: ambiental, social, econômica… Porque tem que ser sustentável e se defende um planejamento realmente efetivo. E uma coisa importante ao falar em plano diretor é que o próprio nome já diz, é plano, não é um projeto. No momento que venhamos a colocar muitos números e muitos índices, e olha só o quão paradoxal é isso, começamos a engessar o Plano Diretor. Porque não se pode criar uma característica através de números que se pense que é o ideal sem conhecer a ambiência do local, a dinâmica da sociedade, do urbano que gira ali em torno. E atender a população, que é o objetivo de tudo isso.
JC – Você citou que não é um projeto, é um plano. Qual a diferença?
Silva – O Plano Diretor dá diretrizes. Ou seja, é como se fosse a nossa Constituição, tem que dizer qual é a nossa intenção. Um exemplo ruim é a questão dos recuos em terrenos. O que tenho que garantir? Que tenha visibilidade, que eu não fique construindo torres que me impeçam… Um exemplo negativo disso é Balneário Camboriú, a gente anda numa rua, parece que está cercado de paredões. Por quê? O problema não é a altura dos prédios, mas como ele está ambientado naquele espaço. Numa avenida de trinta metros de caixa de rodagem (por onde transitam os veículos), ter um prédio alto não tem problema algum. Agora, numa rua pequena de sete metros e meio (de caixa de rodagem), um prédio de trinta andares começa a ter problemas com a questão do urbano, da vivência nesse ambiente. Então, limitar a altura não é a melhor escolha, não é uma característica que vai garantir alguma coisa. Pelo contrário, pode trazer alguns malefícios. Outro exemplo que o pessoal reclamou muito, mas foram os que defenderam o recuo (que levaram a isso): a defesa do recuo era: “ah se eu tenho um terreno de esquina eu tenho um recuo frontal e um recuo lateral, daí eu garanto que, se estou na esquina, consigo ter a visibilidade da outra rua”. Em tese a ideia é boa. Na prática, o que que aconteceu? Num terreno de 10mX30m, que é um lote padrão de Porto Alegre, com os recuos, o que sobra para construir? Tendo que ter o recuo por causa das janelas das outras duas divisas. Não sobra nada. Não consigo construir um prédio residencial, não consigo construir um prédio comercial. São locais que normalmente não cabe mais uma residência, porque normalmente já tem uma ocupação mista, muito comercial e pouco residencial. O que aconteceu com Porto Alegre? Toda a esquina tem uma farmácia. Por quê? Porque a única forma de viabilizar algum empreendimento no que pode construir ali.
JC – Como poderia ser?
Silva – Se deixasse livre os engenheiros e os arquitetos a pensarem num projeto legal, tiraria muito mais proveito dessa situação. Tem que entender que cada projeto é um projeto. Por isso temos os profissionais engenheiros e arquitetos, que estão aí para pensar. Por que, qual é a instância final disso tudo? Ninguém vai construir um prédio que não tenha prazer em morar nele. Eu não vou construir, por exemplo, um prédio onde não tenha uma vista, não tenha insolação, não tenha ventilação cruzada. Seria muito melhor eu dizer (na lei) “garante-se uma ventilação adequada, uma iluminação adequada” e não “a janela tem que ter 2mX1,20m no mínimo”. E uma coisa super importante na engenharia que não podemos esquecer, é que muitas vezes as leis, resoluções, planos, as suas diversas formas de apresentar regramentos numa sociedade civil moderna, não acompanham a evolução tecnológica. Hoje temos sistemas de ventilação, sistema de funcionamento de ar, sistemas de abastecimento de gás, cisternas, infraestrutura para fazer recirculação de água de chuva, placas solares, placas de aquecimento de água… Tudo isso ajuda a ter uma ambiência melhor, sem necessariamente ter os espaços (de recuo) que são exigidos.
JC – O Plano Diretor traz essas diretrizes, mas muito dessa regulação está no chamado plano regulador, é isso?
Silva – Tem, na realidade, as leis complementares que regulam. O que está acontecendo, e não acho que seja uma solução adequada, é que não posso trazer o código de obras para dentro do plano. É esse o cuidado que temos que ter.
JC – Hoje se confundem?
Silva – Se confundem, muitas vezes são contraditórios, e não estão atualizados. Cada vez mais está se legislando sobre uma questão técnica, que deveria ser de arbítrio dos arquitetos e dos engenheiros, tendo a sua responsabilidade.
JC – Garantindo que aquele objetivo final seja atendido e o modo como vai ser atendido é uma escolha de acordo com a tecnologia disponível, isso?
Silva – Exatamente. Tem muitas coisas que não garantem qualidade pelo fato de expressar, através de equações numéricas, num Plano Diretor. É importante discutir sim essas geometrias, essas relações. Mas não dá pra engessar.
JC – Além do Plano Diretor, leis que regulam o plano também precisam ser revistas?
Silva – Deveriam ser revistas.
JC – Sabe se está no horizonte da prefeitura?
Silva – Eu até já conversei isso em reunião do conselho do Plano Diretor. É importante, só que isso tudo tem que de alguma maneira conversar com a proposta de cidade que se quer. Hoje temos alguns instrumentos, pelo próprio Estatuto da Cidade, que fala sobre as contrapartidas dos empreendimentos que têm um impacto na cidade. Mas, de que forma se cobra essas contrapartidas do empreendedor? Eu entendo o seguinte, se construo um prédio, faço uma avaliação da rede de esgoto, da rede de água e da rede elétrica. Será que esse aumento de população está previsto naquela rede? Se não, a minha contrapartida é trocar a rede. Fazer um reforço na rede elétrica, aumentar a bitola da rede de abastecimento de água... Transformar (a contrapartida) em outra coisa é legal, mas não posso esquecer que a infraestrutura tem que ser atendida. E, se tem um aumento populacional grande, nós não somos contra isso, jamais. O que defendemos é que tenha um estudo técnico sobre o impacto real trazido pelo pelos empreendimentos. O Senge pauta pela demanda técnica.
JC – Tem expectativa de que, a partir dessa revisão, esses estudos venham?
Silva – Sim, foi apresentada alguma coisa principalmente na discussão do Centro Histórico, que por óbvio a questão mais latente é de infraestrutura. Isso veio à tona com a questão da revitalização do centro histórico e se conversa muito sobre o 4º Distrito, porque são duas áreas sensíveis da cidade. É importante esses movimentos de revitalização, porque dá vida à cidade naquele bairro.
JC – Quero mesmo perguntar isso, está atrasada a revisão regular do Plano Diretor, mas teve esses dois planos específicos que vieram antes, a prefeitura argumentou que não podiam esperar mais tempo. Vocês entendem que fez sentido separar essas duas áreas e fazer uma avaliação prévia ao plano diretor?
Silva – Sim, fez sentido. Mexer na cidade como um todo, numa revisão de Plano Diretor como é o de Porto Alegre, é uma tarefa complexa, que demanda tempo e tem que conciliar diversos interesses. E quando falo interesses são habitacionais, econômicos, sociais, ambientais e por aí afora. Por que entendemos que foi importante isso? Porque é um balão de ensaio, eu preciso entender o micro para poder extrapolar para o todo. Se eu tentar construir o todo, talvez eu passe por cima do micro. E nós tínhamos duas áreas sensíveis a isso, que é o 4º Distrito e o Centro Histórico, que são áreas características para fazer esses ensaios todos. A cidade é um organismo vivo, tem que alimentar, tem que cuidar o tempo inteiro. E se deixar a cidade como está, sem rever, é fadar a cidade à morte.
JC – Não dá para não revisar. Esse atraso prejudicou de alguma maneira o desenvolvimento da cidade? Ou, pelo momento em que vai se revisar agora, no pós-pandemia, acaba contribuindo para outro tipo de debate que não seria feito antes?
Silva – Todos os projetos de segundo grau, que têm um impacto maior na cidade, entram num regime primeiro de aprovação dentro da da Cauge (Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento) e ali já é feito um filtro dessa de todas essas questões. Depois, esses projetos vão para o Conselho do Plano Diretor e dali saem algumas diretrizes, como se fosse a interpretação do Plano Diretor sob uma ótica representativa, porque o conselho tem as entidades, tem as secretarias de governo municipal e tem as regiões de planejamento, que é a população. Então, claro, demorar para aprovar um plano é ruim, mas aprovar ele a qualquer preço é pior. E pela primeira vez estamos vendo uma discussão ampla do Plano Diretor, tem participação total, tem reuniões o tempo inteiro, a própria equipe (da prefeitura), que está coordenando a revisão junto com o consórcio que foi contratado, está fazendo reuniões nas entidades. Nós tivemos reuniões no sindicato, convidamos todos os interessados a participar, a dar sugestões, entender como está…
JC – Isso com a Prefeitura e com e com a Ernst & Young?
Silva – Exatamente. Foi feita uma apresentação de todo o trabalho. E temos um canal aberto para sugerir o que entendemos que seja interessante para a cidade.
JC – Foi entregue algum documento formal indicando quais pontos a entidade entende que tenha que constar no Plano Diretor?
Silva – Sim, nós fizemos isso bem no começo da revisão.
JC – Isso antes da pandemia ou nessa retomada?
Silva – Antes, no começo mesmo. Fizemos um documento, com contribuição de especialistas em cada área, principalmente a junção dos diversos planos diretores junto ao Plano Diretor Urbano Ambiental. E foi bem aceita a proposta, então esperamos que isso seja em algum momento contemplado.

Entrevistas publicadas

Essa entrevista integra uma série realizada com as entidades que compõem o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre, com a proposta de conhecer os interesses envolvidos no debate.
07/06 Asbea - Asbea espera Plano Diretor de Porto Alegre com regras mais claras e liberdade para projetar
 

Nota

Essa entrevista integra uma série realizada com as entidades que compõem o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre, com a proposta de conhecer os interesses envolvidos no debate. Confira no blog o material já publicado e acompanhe as demais nas próximas semanas.