Um ato público com distribuição de refeições e coleta de alimentos para doação será realizado em 40 cidades de todo o Brasil na próxima segunda-feira, dia 27, para marcar a volta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea. Chamado de "banquetaço", o evento é organizado por agricultores familiares e grupos da sociedade civil que se mantiveram mobilizados nos últimos quatro anos, período em que o colegiado deixou de atuar formalmente após ser extinto em 2019. Naquele ano, na mesma data, foi realizado um ato similar para denunciar o abandono da política pública. Agora, com a retomada, a pauta da soberania alimentar volta ao centro das decisões do governo federal.
Antes do evento geral, uma prévia do banquete será oferecida neste sábado, dia 25, nas feiras da avenida José Bonifácio, em Porto Alegre. "O principal intuito é chamar atenção para quem está passando fome e precisando de alimentos", explica Franciele Belle, conselheira do Consea estadual e integrante da Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE), que organiza o evento junto com a Feira Ecológica do Bom Fim. Para o presidente do Consea/RS, Juliano de Sá, a autonomia de estados e municípios em gerir seus conselhos foi responsável para que o desmonte nacional não tenha sofrido um efeito cascata.
Criado em 1993 como um espaço para o controle e a participação social na temática da alimentação, o colegiado foi extinto na gestão seguinte. Em 2003, no primeiro governo Lula, foi recriado e voltou a propor diretrizes que, aliadas a outras práticas, garantiu ao governo o reconhecimento, pela Organização das Nações Unidas (ONU), das políticas públicas responsáveis por tirar o Brasil do "mapa da fome" em 2014. O País voltou ao mapa da fome em 2020.
Assumirá o comando do Consea o mesmo grupo que ocupava o colegiado até 2019. Na presidência, a partir do dia 28 deste mês, estará Elisabetta Recine, professora do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB). "Foi aceita a proposta para recuperar o mandato interrompido e garantir que se tivesse condições de funcionamento imediato até a realização da 6ª conferência (da temática) no final de 2023", explica Elisabetta.
O encontro será o momento de atualização das regras de composição do conselho e escolha dos integrantes, e também para se estabelecer as prioridades que irão compor o 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Juliano de Sá conta algumas das contribuições que o grupo do Rio Grande do Sul apresentará: pedir que o govreno federal reconheça iniciativas da sociedade civil, como as cozinhas e as hortas comunitárias, como pontos populares de soberania alimentar e nutricional; e que volte a haver incentivo a compras governamentais e institucionais da produção de agricultores familiares.
São demandas que dialogam com pautas já debatidas em muitos centros urbanos, como a de incorporar a produção primária em terrenos ociosos. "Toda cozinha comunitária poderia ter uma horta e criar condições para que seja um espaço de convívio, em que as pessoas que chegam ali pela situação de fome possam dialogar sobre essas questões, ressignificar sua relação comunitária e com a produção dos alimentos", defende Sá.
Desafio da gestão é tirar o Brasil do mapa da fome
O segundo “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil” apontou que, entre 2021 e 2022, 33,1 milhões de pessoas não tinham garantido o que comer, e que mais da metade (58,7%) da população brasileira convivia com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave. Conforme a Agência Senado, em 2020, o país já tinha voltado para patamares equivalentes aos de 2004. A crise econômica e o acirramento das desigualdades sociais evidenciadas com a pandemia agravaram a situação.
Para os representantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), o fim do suporte especializado que o colegiado fornecia ao poder público também contribuiu para a piora do cenário. “O último governo federal deixou de executar as compras de alimentos por meio da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), sucateou; se precisar (de alimentos) dos armazéns, não tem nada de alimento”, aponta Juliano de Sá.
Mesmo com o apagão político, grupos do entorno do conselho se mobilizaram para acompanhar a pauta. “Realizamos inclusive um tribunal popular contra a fome, para documentar duas ações no STF (Supremo Tribunal Federal), para que o governo federal tomasse providências para reduzir a fome”, complementa Elisabetta Recine.
A retomada de agora vincula o conselho à Casa Civil do governo federal, o que, na avaliação de Sá, dará força institucional para tratar da pauta alimentar e nutricional como uma política pública transversal. “Para superar o quadro da fome, precisamos primeiro aumentar a renda das pessoas, o que passa por ministérios estratégicos, como o da Fazenda”, exemplifica.
Outros exemplos são os programas de transferência de renda conectados ao desenvolvimento social e a aquisição de alimentos diretamente de agricultores familiares, fazendo com que essa produção chegue na rede de assistência social e nas escolas. “Transversalidade é estratégica. É importante articular que uma política converse com a outra, se não é desperdício de recursos”.
Para Elisabetta, a expectativa é “que o Consea seja esse espaço em que se pense não apenas programas ou políticas, mas principalmente a articulação”, para que o governo possa “ouvir diretamente, de diferentes setores da sociedade, quais são os problemas, como se expressam na realidade e como podem ser solucionados”.
Falando em SEGURANÇA ALIMENTAR
Conforme a Lei Nº 11.346/2006, “segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.
Na ausência dela, a denominação passa a ser de insegurança alimentar, que pode atingir três escalas:
Leve, quando há preocupação ou incerteza em relação ao acesso aos alimentos no futuro; qualidade inadequada dos alimentos resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentos.
Moderada, que é a redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante de falta de alimentosque é a redução quantitativa de alimentos resultante da falta de condição f inanceira em adquiri-los, ruptura nos padrões de alimentação e restrição entre os adultos.
Grave, caracterizada pela fome – sentir fome e não comer por falta de dinheiro para comprar alimentos; fazer apenas uma refeição ao dia, ou ficar o dia inteiro sem comer.caracterizada pela fome entre adultos e crianças – sentir fome e não comer por falta de dinheiro para comprar alimentos; fazer apenas uma refeição ao dia, ou ficar o dia inteiro sem comer.
Agenda
- Pré-banquetaço
Dia 25/02, a partir das 8h30
Local: feiras da avenida José Bonifácio, Porto Alegre
O que terá: roda de debate sobre soberania e segurança alimentar, confraternização e arrecadação de alimentos que serão usados no banquetaço do dia 27
- Banquetaço
Dia 27/02, das 12h às 14h
Local: Largo Glênio Peres, Porto Alegre
O que terá: oferta de 500 refeições preparadas por duas cozinhas solidárias e arrecadação de alimentos para doação