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Especialista analisa danos ao patrimônio em Brasília
Urbanista aponta que destruição de símbolos é ataque à democracia
O vandalismo praticado por grupos extremistas apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro no dia 8 de janeiro em Brasília teve como alvo as sedes e os acervos do Congresso Nacional, onde ficam o Senado e a Câmara, do Palácio do Planalto, que é a casa do governo, e do Supremo Tribunal Federal. Os edifícios sediam, respectivamente, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, ligados entre si pela Praça dos Três Poderes. São lugares que representam as instituições democráticas do País. Além do estrago material e prejuízo financeiro, que ainda não foi totalmente calculado, há outro ângulo pelo qual se pode analisar os fato.
Para o arquiteto e urbanista Jorge Luís Stocker Jr., coordenador do núcleo Rio Grande do Sul do Icomos - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, o que mais assusta é o ataque a símbolos importantes para a construção da identidade nacional. "É um claro processo de não identificação das pessoas com essas referências, com o que as instituições significam e com a própria democracia", aponta.
Stocker explica que existe historicamente relação entre conflitos políticos e sociais e o patrimônio, o que "é normal, embora triste". Parte da explicação remonta à Revolução Francesa (século XVIII): "em dado momento, as forças revolucionárias compreenderam que seria preciso preservar símbolos que representassem o processo que levou à revolução", diz o especialista. "Desde então, o patrimônio é alvo desses conflitos e está na ordem do dia", completa.
Ou seja, mais que o custo financeiro para a recuperação dos prédios e das obras de arte, nos casos em que isso for possível, é preciso criar um caminho para a educação patrimonial. "As referências não precisam ser celebradas apenas, pode se ter uma visão crítica. Mas é preciso criar um vínculo da sociedade com essas referências".
Ainda não se tem uma lista definitiva sobre as obras de arte, materiais e documentos históricos perdidos. O Senado informa que o prejuízo em relação ao seu patrimônio será por volta de R$ 4 milhões. A Câmara dos Deputados estima, em relatório preliminar, mais de R$ 3 milhões. Governo e Supremo Tribunal Federal ainda não divulgaram valores parciais. A recuperação do patrimônio - prédios e acervos - será feita com recurso público.
Móveis e quadros foram depredados no Salão Nobre do Senado, que abriga o Museu da instituição. Foto: JEFFERSON RUDY/AGÊNCIA SENADO
Capital é Patrimônio Cultural da Humanidade
Em dezembro de 1987, Brasília foi inscrita na lista de bens do Patrimônio Mundial pela Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Lugares assim, chamados de sítios, pertencem a todos os povos do mundo, independentemente do território em que estejam localizados. A área tombada é de 112,25 quilômetros quadrados, correspondente ao que é conhecido como Plano Piloto, que incorpora as escalas monumental, residencial, gregária e bucólica.
Nacionalmente, o projeto urbanístico de Brasília, de Lúcio Costa, com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1990. Isso significa que o Iphan deve autorizar a construção de edificações dentro da cidade, mantendo a divisão dos setores e a altura dos prédios. Além do conjunto urbano, as obras assinadas por Niemeyer na capital são preservadas como patrimônio.
Esses reconhecimentos são considerados pactos, nos quais o país se compromete com políticas de preservação do patrimônio. Jorge Luís Stocker Jr. aponta que a responsabilidade pelo estrago causado por bolsonaristas em Brasília, no domingo, além de quem praticou a destruição, é também de quem se omitiu ao cuidado. "Foi amplamente anunciado, mas estávamos tranquilizados imaginando que não teriam acesso", pondera.
Além dos danos estruturais, o que mais preocupa, do ponto de vista da preservação, são os acervos internos a cada instituição atacada, caso das obras de arte. Stocker, que trabalha com projetos de restauro e inventários, avalia que algumas perdas podem ser irreversíveis: "alguns itens não têm referência, materialidade e condição de se recuperar".
No centro de um planalto vazio…
... como se fosse em qualquer lugar - com este trecho em referência a Brasília, Oswaldo Montenegro inicia a canção Léo e Bia. Em 1979, quando a música foi composta, a capital federal era menos habitada do que hoje. Mas, pouco mais de uma década antes, era mesmo um planalto vazio de pessoas, habitado quase somente pela natureza do cerrado brasileiro.
Foi no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) que se construiu do zero uma nova capital para o Brasil. A ideia, no entanto, não foi de JK: a Constituição Federal de 1891 já determinava a demarcação de uma área no centro do país para este fim, e muito antes já se travavam debates sobre tirar a sede do governo do litoral (à época, Rio de Janeiro, tendo sido antes em Salvador).
Para orientar o trabalho, foi lançado em 1956 o concurso para a criação do "Projeto Urbanístico da Nova Capital". Venceu e executou o seu projeto o urbanista Lúcio Costa. O júri era composto por três representantes estrangeiros e três brasileiros - o mais famoso deles, Oscar Niemeyer, foi responsável por projetar vários prédios de Brasília, incluindo o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal.