No mês de julho, colunistas de diversos veículos de todo o Brasil foram convidados a cederem seus espaços para a publicação de artigos de opinião de cientistas de diferentes áreas do conhecimento, como parte da campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência.
Victor Marchezini
Pesquisador no Cemaden/MCTI (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais)
Pouco mais de 84% da população brasileira vivem em cidades. Diante dessa realidade, em 1º de janeiro de 2003, criou-se o Ministério das Cidades, para enfrentar três principais problemas sociais: moradia, saneamento ambiental (água, esgoto, drenagem e coleta e destinação de resíduos sólidos) e transporte da população urbana. O referido ministério também implementou uma ação de apoio a programas municipais de redução e erradicação de riscos de desastres. No dia 1º de janeiro de 2019, o Ministério das Cidades foi extinto, impactando no enfrentamento dos problemas sociais, incluindo as ações para reduzir desastres. Os desastres que presenciamos neste ano de 2022 são também consequência dessa extinção.
Pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro, em 2019, indicava um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias, das quais 79% concentravam-se em famílias de baixa renda. Outra pesquisa realizada pelo IBGE e o Cemaden/MCTI identificou, para uma amostra de 872 municípios, 8,2 milhões de pessoas e 2,5 milhões de domicílios em áreas sujeitas a inundações e deslizamentos. Mesmo diante dessa situação, somente 16% dos municípios possuem programa habitacional para realocação de população de baixa renda em área de risco, de acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2020.
A fragilidade institucional dos municípios em se prevenir e preparar melhor para lidar com desastres não para por aí: 75% dos municípios possuem órgãos de defesa civil, mas somente 13,1% têm planos de redução de risco de desastres (RRD), 7,8% têm sistemas de alerta, e 6,8% organizam Núcleos Comunitários de Defesa Civil. A grande maioria dos municípios (93%) também não possui leis ou instrumentos relacionados à adaptação e mitigação das mudanças climáticas. No Rio Grande do Sul, somente 4% dos municípios possuem esses planos, abaixo da média nacional.
A Pesquisa Municipal em Proteção e Defesa Civil identificou situações alarmantes, apesar de 49% das defesas civis estarem lotadas nos gabinetes dos (as) Prefeitos (as): i) 30% não possuíam computador; ii) 67% não tinham veículo; iii) 72% não tinham orçamento próprio; iv) 59% das equipes possuíam de uma a duas pessoas.
Essa situação é reflexo da falta de uma Política Nacional de Gestão de Risco de Desastres, que torne este tema um norteador das políticas de desenvolvimento no território. Este tipo de política não é sinônimo de Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), que é focada em ações de resposta a emergências e desastres. O que presenciamos no Brasil não é um avanço deste tema, mas um retrocesso. Com a catástrofe de 2011 no Rio de Janeiro, formulou-se o Plano Nacional de Gestão de Risco e Respostas a Desastres (2012-2014), que não teve continuidade. A inserção do tema no último Plano Plurianual (PPA) sofreu retrocessos alarmantes, que refletem o desdém com os afetados em desastres. Alertas não faltaram. Entre 1995 e 2019, os prejuízos econômicos em desastres no Brasil foram de R$333,36 bilhões, segundo estimativa do Banco Mundial em 2020.
É necessário agir. No curto prazo, é imprescindível elaborar e implementar um novo Plano Nacional de Gestão de Risco e Respostas a desastres, com ações descentralizadas em cada ministério, e a coordenação da Casa Civil. No médio prazo, recriar o Ministério das Cidades, com corpo técnico, recursos financeiros, atribuições e a estrutura organizacional, de forma proporcional ao que possuía anteriormente. No longo prazo, formular e implementar a Política Nacional de Gestão de Risco de Desastres, em um esforço interministerial, também sob a coordenação da Casa Civil.
Este artigo foi escrito para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência.