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Opinião Econômica

Publicada em 06 de Fevereiro de 2025 às 19:36

A guerra comercial foi realmente adiada?

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Solange Srour
Solange Srour
O início do novo governo americano tem trazido incertezas e ameaças. Após anunciar tarifas agressivas contra México, Canadá e China, Trump adiou por um mês a guerra comercial com os vizinhos. As tarifas sobre produtos chineses foram mantidas, mas em níveis menores que os prometidos. É difícil ter expectativas sobre os próximos passos dos EUA, mas pontos importantes merecem consideração.
Tarifas podem fazer sentido em um conjunto restrito de circunstâncias, como ajudar indústrias emergentes a alcançar escala de competição internacional e pressionar países a encerrar práticas desleais, como subsídios e manipulação cambial. No entanto, impor tarifas ao Canadá e ao México não atendia a nenhum desses propósitos. Em vez disso, prejudicava um ecossistema econômico que permite aos EUA manter sua competitividade global. Os três países formam uma zona de livre-comércio mutuamente benéfica. De modo geral, o Canadá fornece insumos básicos, o México oferece mão de obra de baixo custo, e as empresas dos EUA coordenam uma complexa rede de atividades através das duas fronteiras.
O caso da China é diferente. Por décadas, seu crescimento foi sustentado por dois fatores-chave: o aumento da população em idade ativa e o rápido avanço da produtividade. Mas, há mais de uma década, a população economicamente ativa atingiu o pico e agora está em declínio. Ao mesmo tempo, apesar dos investimentos em inteligência artificial e energias renováveis, o ritmo de progresso tecnológico tem mostrado sinais claros de desaceleração.
Para manter altas taxas de crescimento, a China precisaria reorientar a economia, redistribuindo a renda de forma a estimular o consumo interno. No entanto, Pequim demonstra resistência a esse movimento e continua a priorizar políticas de incentivo à expansão da capacidade produtiva.
Com um excesso de oferta, a China não só exporta sua produção excedente de maneira agressiva como direciona cada vez mais investimentos para outras regiões. As consequências para a economia global são significativas. Por um lado, a perda de empregos na indústria alimenta o protecionismo. Por outro, iniciativas como a Nova Rota da Seda -projeto de Xi Jinping que estabelece uma rede de rotas comerciais e infraestrutura ligando a China a várias partes do mundo- trazem riscos para o Ocidente além das questões econômicas, entrando na esfera geopolítica.
Esse é o segundo ponto que diferencia a China dos demais parceiros dos EUA. A preocupação com soberania nacional tornou-se um dos fatores mais relevantes na formulação das políticas econômicas. A pandemia evidenciou a fragilidade das cadeias globais em tempos de crise. Em seguida, vieram as guerras, os embargos e as sanções. Como consequência, a questão da segurança nacional ampliou o escopo de atuação dos governos. É nesse contexto que vemos iniciativas como as de Trump em relação à Groenlândia e ao canal do Panamá, sendo que Taiwan se destaca como um dos maiores riscos de médio prazo.
A temida retaliação chinesa foi cuidadosamente calculada. Diferentemente de sua primeira disputa comercial com Trump, quando Pequim respondeu com tarifas equivalentes às impostas pelos EUA, desta vez Xi aplicou tarifas sobre apenas uma pequena fração do valor mirado por Washington. Uma guerra tarifária em grande escala não interessa à China agora. A incerteza que nos acompanhará por algum tempo é: até quando esse status quo será mantido, evitando um cenário disruptivo para a economia global?
Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management

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