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Opinião Econômica

Publicada em 30 de Janeiro de 2025 às 19:05

Medidas macroprudenciais são heterodoxas?

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Folhapress
Bráulio Borges
Bráulio Borges
Em um texto recente publicado do blog do FGV IBRE, eu apontei que o Banco Central do Brasil deveria ter acionado, já há alguns trimestres, uma medida macroprudencial conhecida como "colchão de capital anticíclico". Caso ela estivesse acionada, possivelmente a elevação necessária da taxa Selic para trazer a inflação de volta às metas seria menor.
Esse colchão corresponde a um instrumento criado no Brasil em 2015, seguindo as recomendações feitas pelo "banco central dos bancos centrais", o BIS, no âmbito do acordo de Basileia 3. Praticamente todas as principais economias do mundo contam com esse instrumento e, em várias delas, ele está acionado neste exato momento.
Grosso modo, o objetivo desse colchão é o de evitar uma expansão muito expressiva do crédito, a qual pode alimentar uma bolha, cujo estouro pode ser traumático (basta lembrar da grande crise financeira de 2008/09). Nesse sentido, não se trata exatamente de um instrumento típico de política monetária, e sim de uma ferramenta para promover a estabilidade financeira.
Não obstante, há uma sobreposição entre a política monetária, operada sobretudo por meio de alterações na taxa Selic, e a política de promoção da estabilidade financeira. Alguns estudos apontam que as medidas macroprudenciais (conjunto dentro do qual o colchão anticíclico se encaixa) também afetam a demanda agregada e a inflação, tal como a política monetária tradicional.
Esses estudos também indicam que a adoção dessas medidas macroprudenciais de forma anticíclica, atuando como estabilizadores automáticos dos ciclos creditícios/financeiros, contribuem para reduzir a taxa de juros neutra da economia -que é uma das principais referências para balizar a política monetária.
Ainda que os efeitos do colchão de capital anticíclico sejam menos abrangentes do que aqueles da Selic, o seu acionamento não gera impacto negativo sobre o déficit nominal do setor público. Não custa lembrar que, atualmente, praticamente metade da dívida pública brasileira é pós-fixada, indexada à taxa Selic fixada pelo BC.
Alguns analistas classificam as medidas macroprudenciais como "heterodoxas" e, por conta disso, torcem o nariz para elas, destacando o episódio ocorrido no Brasil no começo da década de 2010, quando a Selic foi reduzida de forma "artificial" tendo como contrapartida um aperto discricionário em algumas dessas medidas macroprudenciais.
Esse tipo de crítica ignora o fato de que o colchão de capital anticíclico se tornou o padrão global na última década. Também ignora que há regras para o seu acionamento, associadas ao monitoramento do chamado "hiato do crédito", que é altamente correlacionado com o "hiato do produto" (que baliza a fixação da Selic).
E aqui eu volto ao primeiro parágrafo: a métrica que baliza o acionamento do colchão de capital anticíclico no Brasil sugere que ele deveria estar ativo desde meados de 2022. Como isso não foi feito e a execução da política fiscal teve efeitos expansionistas sobre a demanda agregada pelo menos até meados de 2024, a política monetária tradicional, via Selic, ficou sobrecarregada.
Com a economia dando sinais de superaquecimento, é preciso uma maior coordenação entre essas políticas, com uma política fiscal contracionista e o acionamento do colchão aliviando a política monetária -reduzindo o risco de materialização de um cenário de dominância fiscal.
Mestre em teoria econômica pela FEA-USP, é economista-sênior da LCA 4intelligence e pesquisador-associado do FGV IBRE

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