Solange Srour
A chegada do governo Donald Trump renovou o otimismo nos mercados globais. A expectativa de um aumento agressivo e imediato das tarifas comerciais não se concretizou, o que foi interpretado como um sinal de que sua estratégia seria "ameaçar para depois negociar" -algo bem menos combativo do que as promessas da campanha.
De fato, logo após seu discurso de posse, Trump renovou suas ameaças ao México, Canadá, Europa e China. O "novo normal" para a economia global parece ser conviver com muita incerteza.
A imprevisibilidade, que transcende a questão comercial, é um dos fatores que, na teoria econômica, mais prejudica o ambiente de investimentos. A incerteza acentua o adiamento de decisões estratégicas por parte das empresas, eleva o risco associado aos investimentos, aumenta as taxas de juros e, consequentemente, compromete o crescimento econômico como um todo.
No entanto, de forma surpreendente, as intenções de investimento e as projeções de crescimento dos EUA têm registrado uma melhora crescente. Essa tendência, que não se repete no restante do mundo, sugere que o excepcionalismo americano se intensificará.
Nos últimos cinco anos, a participação dos EUA nos investimentos estrangeiros diretos (IED) globais vem aumentando consideravelmente, em detrimento de países europeus e da China. Dados recentes mostram uma aceleração dessa tendência. A participação dos EUA nos novos projetos de IED aumentou de 11,6% em 2023 para 14,3% nos 12 meses até novembro de 2024, segundo informações da fDI Markets.
Durante esse período, os EUA atraíram mais de 2.100 novos projetos "greenfield" de IED, enquanto China e Alemanha somaram, juntas, menos de 400, o que representa um recorde de baixa.
Semana passada, o FMI atualizou suas projeções de crescimento e seguindo a linha dos principais bancos, revisando para cima as previsões para os EUA, enquanto reduzia para baixo as projeções de muitas outras economias. Esse movimento reforça que os riscos atuais devem acentuar ainda mais as divergências no crescimento global.
Vários fatores explicam o otimismo em relação à economia americana. Os republicanos estão focados na aprovação da extensão dos cortes de impostos implementados no primeiro mandato de Trump. Uma política tributária favorável aos investimentos tende a impulsionar a acumulação de capital, a produtividade e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Contudo, o impacto desse impulso dependerá do efeito potencial de aumentos nas taxas de juros, decorrentes do aumento do déficit público. Outro fator de risco é a política imigratória, que pode impactar a força de trabalho.
Outro pilar da nova agenda é a desregulamentação, que tem gerado entusiasmo entre investidores. Setores como energia, financeiro, saúde e tecnologia são vistos como os principais beneficiários. Ao mudar a política comercial e tarifária, Trump pretende também incentivar e proteger várias indústrias americanas que podem no curto prazo trazer um impulso ao PIB, ainda que ao custo de uma maior inflação e menor eficiência.
Enquanto os EUA podem, de fato, colher frutos dessas políticas -ainda sem muitos detalhes e dependendo dos contrapesos citados aqui-, o otimismo em relação ao restante do mundo deveria ser mais cauteloso, especialmente para os países que, há muito tempo, não priorizam reformas estruturantes. Para o Brasil, que segue adiando as reformas essenciais, a incerteza global não é apenas mais um desafio, mas um alerta. Não por acaso, a taxa de juros reais da NTN-B de 2035 atingiu, essa semana, seu maior nível histórico.
Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management