Marcos de Vasconcellos
É verdade que os investimentos verdes precisam ganhar espaço no mercado financeiro, mas posso apostar que a recente disparada de uma 'ação verde' na nossa Bolsa não tem qualquer relação com responsabilidade ambiental.
Uma empresa de gestão de resíduos, soluções ecológicas e sustentabilidade, chamada Ambipar, viu suas ações (AMBP3) subirem mais de 3.000%, sim, valerem 30 vezes mais, em menos de seis meses.
Ela é uma das 'novatas' na Bolsa, tendo chegado ao mercado em 2020, na última 'janela' de IPOs, as ofertas iniciais de ação. Foi quando diversas empresas acessarem o mercado de capitais, emitindo papéis e pegando dinheiro para expandir sua atuação. Contei em outro texto como algumas delas parecem ter queimado a grana e a confiança de seus investidores.
A Ambipar levantou R$ 1,08 bilhão no IPO. Pouco mais de um ano após a estreia, sua ação mais do que dobrou de preço. Chegou à casa dos R$ 70, após o fim do período chamado lock up, período em que os administradores são proibidos de negociar ações de uma empresa que acabou de entrar na Bolsa.
Depois desse pico, entretanto, desceram a ladeira e, em junho deste ano, eram negociadas a R$ 8. Na época, analistas de investimento acreditavam que era barato. O time do BTG Pactual, por exemplo, recomendou a compra, com o preço-alvo de R$ 21, apontando que ela estava reduzindo seu endividamento e entregando bons resultados.
O que aconteceu daí em diante é 'o mistério da fé', até que haja uma investigação de verdade por autoridades competentes e transparência sobre seus resultados.
As ações dispararam, em um ritmo que espanta até os fãs de punk rock ou os habituados a investir em criptomoedas.
De 12 de junho a 12 de agosto, foram mais de 1.000% de ganho, indo dos R$ 8 para os R$ 90. Até 13 de dezembro, voaram até a casa dos R$ 260. "Essa multiplicação de valor só pode ser apoiada em uma mudança forte de ventos", pensarão os atentos leitores/investidores. É aí que a realidade briga com a cartilha. Não houve mudança nos números ou no funcionamento da companhia que justificasse a decolagem.
Acontece que, em julho, o fundador da empresa, Tércio Borlenghi Junior, aumentou sua fatia da empresa, comprando 7% das ações e chegando a deter 73% dos papéis. Depois, a gestora de fundos Trustee DTVM também foi às compras, e embolsou coisa de 15% das ações.
A fome dos gigantes fez os preços dispararem, mas a verdade é que 'sobraram' para os investidores negociarem na Bolsa pouco mais de 10% das ações, com preços inflados, não por algum fundamento, mas por uma disputa ou atuação conjunta de titãs.
A empresa já foi questionada mais de uma vez pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), sobre a real razão da escalada de preços, mas limitou-se a dizer que ninguém sabe de nada.
Quem estava fora da panelinha e se animou com a sequência de altas hoje pode estar a ver navios. O investimento verde parece ter amadurecido de maneira artificial, deixando no ar o cheiro azedo de que se tornou impróprio para consumo.
Nos últimos sete dias, os preços murcharam como bexigas de aniversário furadas, afundando 50%. E posso apostar que o mico sobrou na mão de investidores menores, reféns da falta de transparência de grandes players do mercado financeiro.
Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado