Precisamos limitar as onipresentes bets, criando obstáculos para quem quiser apostar. A questão não é moral: cada um deveria ser livre para gastar seu tempo e dinheiro como quiser. É maniqueísta dizer que crianças vão ficar sem presente neste Natal porque seus pais estão apostando. Quem é viciado não precisa de bet para destruir o patrimônio familiar.
E quem não é viciado, mas tem dificuldades de controle? E os desesperados? Esses são presa fácil. Há tênue diferença entre jogo de azar, quando a casa tem vantagem, e roubo, quando se vende uma coisa e entrega-se outra.
Fricções são bem-vindas quando produtos podem viciar. Não há país que permita propaganda de cigarros, mas, se alguém procurar, encontra. Em vez de proibir, a solução pode ser dificultar.
Medidas como permitir somente uso de cartão de débito, padronização sobre probabilidades (com percentuais claros), limites sobre horários em que se pode apostar e restrições sobre propagandas poderiam reduzir o uso sem acabar com a brincadeira de muitos.
Nos Estados Unidos e na China, até recentemente, jogos de azar só em poucas áreas. Isso por si só limita o uso, já que alguém tem que se deslocar para Las Vegas ou Macau para jogar. Na maioria, nada de cartões de crédito. Sem dinheiro na conta, sem apostas. Cada medida, como trocar dinheiro por fichas, cria pequenas barreiras. Reguladores determinam limites mínimos de retorno para apostadores e fazem algo (mesmo que imperfeitamente) para limitar a predação, tornando o jogo algo mais próximo de entretenimento. E nenhum dono de cassino reclama que não dá para ganhar dinheiro apesar da regulação (a não ser Trump e alguns poucos outros, raros exemplos de empreendedores que levaram cassinos à falência).
Hoje, é fácil demais apostar e as empresas se movem para incentivar cada vez mais o uso, com expansão de ofertas cada vez mais apelativas para trazer e reter clientes. É como se os cassinos de Las Vegas saíssem atrás de possíveis clientes, prometendo mundos e fundos e dando crédito indiscriminadamente, aceitando até dentaduras. Mas não é assim. Acabaram as fichas? Vai ter que levantar e enfrentar fila para trocar de novo. Isso gera ineficiência, mas esse é o ponto. Em mercados de apostas eficientes, as casas limpam os viciados e competem para oferecer produtos ruins; em vez de entretenimento, entregam desastre.
Há casos de apps em que comportamento de vício, como checar saldo no meio da madrugada consistentemente e ficar tirando e colocando dinheiro na conta, alimenta algoritmos. Não consegue dormir por causa do que apostou? Tome mais crédito!
As evidências sobre os danos disso só aumentam. Estudos são sobre os Estados Unidos, mas no Brasil deve ser pior, pois desigualdade leva à maior procura por atalhos para sair da pobreza. A legalização das bets levou a aumento nas falências individuais em 28%, o escore de crédito das famílias caiu mais de 1%, e a poupança familiar despencou 14%. Elas parecem até aumentar violência doméstica: se um time local sofre uma derrota inesperada, os casos aumentam em 9% nos lugares que aceitam apostas em relação a onde elas são proibidas.
As bets vendem sonho e entregam pesadelo. Não precisa ser assim. Não é para proibir, mas sim dificultar. Para ontem.