Bráulio Borges
A cotação da relação R$/US$ chegou, nos últimos dias, em 6,30. Embora em termos nominais represente o maior valor já registrado, é preciso cuidado nesse tipo de comparação, já que tivemos inflação ao longo do tempo. Descontando a inflação do Brasil e dos EUA, esses 6,30 são semelhantes aos 5,60 atingidos logo após a eclosão da pandemia, em meados de 2020; mas ainda estão bastante abaixo do pico histórico, no final de 2002 (a preços de hoje, o R$/US$ tocou os 8,50 àquele momento).
Na média do regime de câmbio flutuante, de janeiro de 1999 até agora, a cotação do R$/US$ foi de cerca de 4,90, já descontada a inflação desse período. Portanto, a cotação de nossa moeda está, hoje, bastante desvalorizada.
A depreciação do real desde o final de 2023, quando a cotação estava em torno de 4,90, chega a quase 30%. Trata-se de uma variação bastante acentuada, sem sombra de dúvida. Seria esse um movimento decorrente somente de fatores domésticos?
Uma forma de tentar responder a essa pergunta é pela observação do comportamento de outras moedas. O peso mexicano acumula desvalorização de cerca de 15% neste ano, ao passo que o dólar canadense e o won sul-coreano perderam cerca de 10% do valor. Com efeito, parece haver um movimento comum, que explicaria ao menos parte de nossa desvalorização.
De fato, esse fator comum está associado ao fortalecimento do dólar norte-americano. Ao longo deste ano, ele ganhou cerca de 7% frente às principais moedas. Exercícios estatísticos apontam que cada 1% de valorização do dólar ante as moedas fortes gera uma depreciação de cerca de 2% do real. Assim, quase metade dos 30% de desvalorização de nossa moeda podem ser atribuídos a fatores internacionais (dólar e preços de commodities). Caso esses fatores não tivessem mudado ao longo de 2024, o R$/US$ estaria hoje próximo dos 5,60.
E o que mudou lá fora para gerar esse fortalecimento do dólar? Primeiro, a resiliência da atividade econômica e da inflação nos EUA, que levou o banco central deles a reavaliar a trajetória de redução dos juros. Em segundo lugar, a vitória de Donald Trump, que vem sinalizando uma política econômica que poderá gerar ainda mais pressão inflacionária nos EUA e aumentar os déficits fiscais, empurrando o juro deles para cima.
O fortalecimento do dólar não é boa notícia para os emergentes: um estudo recente do FMI ("Emerging Market Economies Bear the Brunt of a Stronger Dollar") apontou que cada 10% de valorização do dólar norte-americano, caso seja permanente, reduz o crescimento do PIB dos emergentes em cerca de 1,9 p.p. um ano após esse choque.
O que o governo brasileiro pode fazer diante disso? No curto prazo, o Banco Central deve evitar disfuncionalidade no mercado cambial, provendo liquidez -vendendo dólares-, como fez entre agosto e dezembro de 2019, quando vendeu quase US$ 37 bilhões, e em 2020, com outros US$ 25 bilhões. Vale notar que as reservas internacionais são elevadas e subiram (na métrica "ARA" do FMI, temos um excesso de cerca de US$ 77 bilhões).
Contudo, o mais importante é atacar os fatores mais "fundamentais", que explicam a outra metade da desvalorização e estão associados à perda de credibilidade da política fiscal. Isso poderia ser feito recuando das decisões de revisar para baixo as metas fiscais de 2025 e 2026 e de propor a isenção de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5.000.
Mestre em teoria econômica pela FEA-USP, é economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador-associado do FGV IBRE