Bráulio Borges
Na minha coluna da semana passada, apontei que o pacote de contenção de gastos do governo federal era razoável e que poderia ter sido bem recebido pelos investidores caso não tivesse sido acompanhado pelo anúncio da isenção de Imposto de Renda para quem ganha entre R$ 2.500 e R$ 5 mil por mês.
O governo federal apontou que essa isenção do IRPF seria fiscalmente neutra, já que seria integralmente financiada pela cobrança de uma alíquota efetiva de 10% para aqueles que ganham mais de R$ 50 mil por mês.
A despeito dessa neutralidade, essa proposta é ruim em diversos aspectos. Em primeiro lugar, não é nem um pouco garantido que o governo vá conseguir aprovar a compensação plena junto da introdução da desoneração. É muito mais fácil aprovar bondades do que maldades no Congresso, sobretudo quanto mais próximo estivermos das próximas eleições.
Assim, corre-se o risco de que o governo federal tenha, ao menos em um primeiro momento, uma perda de arrecadação de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões por ano, em um contexto no qual já está difícil cumprir as metas fiscais e em que a dívida pública/PIB segue subindo, mesmo com o PIB crescendo 3%.
Ademais, embora aparentemente essa proposta pareça melhorar a progressividade da tributação sobre a renda no Brasil, não é o caso. Simulações preparadas pelo Made, da FEA-USP, indicam que a redução da desigualdade com a implementação dessa proposta seria irrisória.
E tem mais: essa redução da desigualdade viria somente pela taxação mínima de 10% de quem está no topo da distribuição de renda, uma vez que hoje muitas dessas pessoas chegam a pagar menos de 4% de IR efetivo sobre sua renda (muito inferior aos quase 12,5% pagos pelos indivíduos com renda algo abaixo desses super-ricos). Isoladamente, a isenção do IR para quem ganha entre R$ 2.500 e R$ 5 mil pioraria a desigualdade, uma vez que esses indivíduos já estão entre os 25% mais ricos no Brasil.
Outro aspecto inoportuno dessa proposta é que, mesmo que seja fiscalmente neutra, essa mudança tenderia a estimular ainda mais o crescimento da demanda de consumo - uma vez que as famílias que seriam desoneradas apresentam uma propensão maior a consumir do que os mais ricos.
Qual o problema disso? Hoje a economia brasileira dá sinais cada vez mais claros de superaquecimento, com a taxa de desemprego se aproximando dos 6% da força de trabalho (a menor em quase 30 anos), as importações disparando e a inflação de serviços pressionada nos meses finais deste ano. No quadro atual, para continuar sendo anticíclica (como foi corretamente em 2020-23), a política fiscal deveria migrar para uma postura contracionista, "jogar água fria na fervura" e não "gasolina na fogueira".
Quem leu esse artigo até aqui deve estar achando que eu disse isso tudo aí em cima para defender que a taxação sobre a renda dos super-ricos no Brasil não seja elevada. Muito pelo contrário! Temos, sim, que viabilizar uma alíquota efetiva de 10%, 12% ou mesmo 15% sobre quem ganha mais de R$ 50 mil por mês.
Mas esses R$ 40 bilhões a R$ 70 bilhões extras de arrecadação anual deveriam ser utilizados para permitir que tenhamos superávit primário nas contas do governo o quanto antes, de modo a estancar a trajetória de elevação da dívida pública, que vem gerando efeitos cada vez mais negativos sobre a taxa de câmbio e a taxa de juros agora e que, em breve, poderão chegar à inflação e ao PIB.
Mestre em teoria econômica pela FEA-USP, é economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador-associado do FGV IBRE