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Opinião Econômica

Publicada em 02 de Dezembro de 2024 às 18:51

Não existe complô da Faria Lima contra Lula

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Samuel Pessôa
Samuel Pessôa
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou em um discurso à nação, na quarta-feira (27), um conjunto de medidas para ajustar as contas públicas.
As medidas são corretas, mas insuficientes. Não houve grandes novidades. A reação, no entanto, foi muito ruim.
Ocorre que, conjuntamente com as medidas de ajuste fiscal, o ministro anunciou que o governo isentará do Imposto da Renda da Pessoa Física (IRPF) as rendas até R$ 5.000.
A perda de receita com a desoneração, de aproximadamente R$ 50 bilhões, será financiada por um imposto sobre as altas rendas. É correto elevar a carga tributária sobre as rendas elevadas no país. O ideal, porém, é que o aumento de receita seja empregado para complementar o esforço fiscal.
O que foi anunciado pareceu somente uma medida eleitoreira. Adicionalmente, ficou claro para todos que o ministro Haddad perdeu a disputa interna e prevaleceram os interesses dos diversos grupos abrigados no atual governo.
É muito ruim que, em meio a uma crise fiscal -o aumento do endividamento entre dezembro de 2022 e dezembro de 2026 será de 14 pontos percentuais do PIB (Produto Interno Bruto)-, a prioridade do presidente da República seja a reeleição.
A situação é ainda pior porque o presidente e seu entorno mais próximo têm interpretado a reação dos preços de mercado como uma conspiração de um grupo de traders para desestabilizar o governo, entendendo-os como pessoas politicamente antagônicas a ele.
A Faria Lima é um conjunto imenso -milhares- de operadores que tomam a melhor decisão que conseguem com as informações disponíveis. Ao contrário do que o núcleo político do governo imagina, não há um cartel de operadores com o objetivo de desestabilizar o Executivo nacional.
O mercado financeiro reagiu muito positivamente ao bom desempenho do governo e do ministro Haddad em 2023. Assim, não passa no teste de realidade a ideia de que há um complô contra o Executivo nacional.
Adicionalmente, mesmo que houvesse um cartel de traders contra a política econômica do atual governo, o mundo é muito grande. Há inúmeros fundos de investimento que poderiam aproveitar as oportunidades de ganho que há no Brasil hoje. O real está muito desvalorizado. Provavelmente, uns 30%. A Bolsa está baratíssima. Por que o mundo todo não corre para ganhar dinheiro aqui? Claramente os operadores mundo afora também enxergam riscos grandes.
Ou seja, o argumento conspiratório do presidente e de seu núcleo duro não sobrevive a dois minutos de reflexão.
O presidente Lula assumiu risco grande no início do mandato. Inverteu a ordem natural do ciclo político da despesa pública. Começou o governo com o pé no acelerador da política fiscal. Agora, no meio de mandato, precisa administrar uma economia a pleno emprego, inflação de serviços e alimentos acelerando, salários elevando-se além da produtividade, exportações líquidas em queda e dívida explosiva.
Não é a minha área de atuação, mas parece que essa leitura conspiratória, além de não ser boa companheira, fará com que o presidente chegue a 2026 pior do que imagina.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP

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