Samuel Pessôa
Sérgio Gobetti, pesquisador do Ipea especialista em tributação, acaba de divulgar a nota técnica "Progressividade tributária: diagnóstico para uma proposta de reforma".
O estudo promove uma importante conciliação entre a tributação do lucro na empresa e a isenção da tributação da distribuição de dividendos. Com isso, o foco da tributação sobre o lucro deixa de ser a empresa, isto é, o CNPJ, e passa a ser a pessoa, isto é, o CPF.
A alegação de que o Brasil é um dos únicos países a isentar a distribuição de dividendos ignora que os lucros no Brasil são tributados na fonte, como ocorre, aliás, com o trabalho. É uma prática que facilita muito o trabalho da Receita Federal.
Há dois problemas, bem documentados no estudo de Gobetti. Primeiro, o de que as empresas que operam no lucro real pagam menos do que a alíquota nominal. As empresas do setor financeiro pagaram, em média, para os anos de 2016 até 2021, 37% de imposto sobre o lucro, 8 pontos percentuais a menos do que a alíquota nominal de 45%. As empresas do setor real pagaram 24,3%, 9,7 pontos percentuais a menos do que a alíquota nominal de 34%.
Essa discrepância deve se reduzir nos próximos anos com as diversas medidas que foram aprovadas em 2023 para combater o planejamento tributário.
O segundo problema é o impacto dos regimes tributários especiais sobre a arrecadação. O regime do lucro presumido e o Simples foram pensados para simplificar e, consequentemente, reduzir o custo de conformidade das empresas. Reduzir o gravame fiscal não é objetivo dos regimes tributários especiais. O estudo indica que, para o regime tributário do lucro presumido, a alíquota média é de 11%, e, para o Simples, de 6,4%. Os regimes tributários especiais se transformaram em uma máquina de elisão fiscal.
De posse das alíquotas efetivamente pagas sobre o lucro, o próximo passo do estudo é investigar quanto a pessoa física, o CPF, pagou de imposto. É necessário somar ao imposto pago na pessoa física, no qual a distribuição de dividendos é isenta, o imposto pago na pessoa jurídica.
Somente assim é possível sabermos o grau de regressividade do Imposto de Renda no topo da distribuição de renda.
Aqui é o ponto em que mais necessitamos de estudos. Sabemos que a incidência jurídica do imposto sobre o lucro é da empresa, portanto, do seu acionista. Mas é possível que parte desse imposto seja repassada ao consumidor na forma de maiores preços. A incidência econômica pode ser diferente da legal.
Gobetti considera três cenários: o imposto é integralmente pago pela empresa, isto é, não há repasse ao consumidor; o repasse é de metade do imposto; e, finalmente, o repasse é integral.
Mesmo no cenário em que não há repasse ao consumidor do imposto sobre o lucro, nos dois últimos centésimos da distribuição de renda há regressividade. A renda se eleva, e a alíquota média paga reduz-se. A máxima alíquota média efetiva de Imposto de Renda, para o caso em que não há repasse, é de 14%, segundo o estudo. Ela ocorre para o declarante no 98º centésimo da distribuição. Para os 2% mais ricos a alíquota, na média dos declarantes, será ainda menor.
Há motivos, portanto, para haver uma reforma da renda com vistas a elevar a progressividade dos impostos no topo da distribuição de renda.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP