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Opinião Econômica

Publicada em 13 de Outubro de 2024 às 20:30

Problema da água é o mesmo que causa fome

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Nunca vai faltar água potável no mundo. Nunca viveremos um futuro à la Mad Max. Todavia vamos ver mais crises como a seca na amazônia afetar mais, como sempre, os pobres. Conflitos serão mais comuns, mas água mesmo nunca vai faltar.
Nunca vai faltar água potável no mundo. Nunca viveremos um futuro à la Mad Max. Todavia vamos ver mais crises como a seca na amazônia afetar mais, como sempre, os pobres. Conflitos serão mais comuns, mas água mesmo nunca vai faltar.
Precisamos compreender que um erro muito comum quando se fazem prognósticos sobre o futuro é exagerar no "ceteris paribus". Em economia, para isolar o efeito de uma política econômica, mantemos todas as outras constantes (a tradução literal de "ceteris paribus"). Isso funciona bem em análises de curto prazo, mas nunca funciona em períodos mais longos. Por exemplo, meu professor de geografia dizia que o petróleo iria acabar antes da virada do milênio. Anterior.
O problema em previsões de longo prazo é que não podemos manter tudo constante. A questão do petróleo mostra bem isso. Com preços mais altos por causa dos choques na década de 1970, houve uma corrida por novas tecnologias e prospecções que multiplicou a capacidade mundial de produção anos depois.
No caso da água, é ainda mais fácil. É um recurso quase completamente renovável que simplesmente desperdiçamos em escalas industriais. Existem soluções tecnológicas, e alguns países chegam a dessalinizar água em escalas industriais (oceanos nunca vão secar).
Dizemos que água é um bem precioso, mas nos comportamos como se fosse o oposto disso: todos somos responsáveis por desperdiçar quantidades gigantescas de água, desde os usuários residenciais aos comerciais e industriais. A razão para isso é simples: todo governo subsidia direta ou indiretamente a produção e a distribuição de água para que seja barata e quase universal.
Isso não tem que mudar, mas a consequência é que sociedades sempre subinvestem em tecnologias decentes para produção e distribuição de água e saneamento. No Reino Unido, 22% da água tratada são perdidos na distribuição. No Brasil, o percentual chega perto de 40%. Nos EUA, as perdas somam US$ 7,6 bilhões por ano. Em Singapura, é perto de zero. Como? Toda a água é importada e, por isso, o governo trata a questão de forma séria: água é realmente um recurso escasso, logo a manutenção da tubulação é feita corretamente e a sociedade investe em estações de tratamento em quantidade suficiente para reciclar a maior parte que foi usada.
Enquanto isso, as Nações Unidas estimam que 1,8 bilhão de pessoas vão viver em áreas com escassez de água em 2025. A questão não é o recurso em si, mas sim política e dinheiro.
Atitudes pró-ativas são raras. Em cidades grandes do Brasil, o mesmo ciclo que aconteceu em São Paulo vai se repetir. Anos de descaso e subinvestimento limitam a capacidade do sistema. Qualquer seca que antes não causaria problemas se amplifica. O governo finalmente acorda e anuncia racionamento ou campanha de última hora para conservar água enquanto libera verbas para manutenção e ampliação da rede em caráter de urgência. As coisas se acalmam. O subinvestimento volta e a rede se deprecia até a próxima crise. E tudo se repete.
Crises climáticas vão acelerar o processo. Furações como o Milton, nos EUA, e secas no Brasil vão ficar cada vez mais comuns. Precisamos nos antecipar.
O problema da água é o mesmo que gera fome: política. Não falta comida no mundo por falta de alimentos ou distribuição, mas sim renda e políticas públicas decentes. Mas, enquanto água não gerar voto, vamos continuar jogando fora. Até faltar.
 

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