Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Opinião Econômica

Publicada em 08 de Outubro de 2024 às 19:19

'Centro' não ganhou a eleição, pois pouco concorreu

Compartilhe:
Bernardo Guimarães
Bernardo Guimarães, doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP
Bernardo Guimarães, doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP
 
Leio no jornal que o centro sai vitorioso das eleições. Então quem se identifica com o centro político deveria estar feliz?
Esse centro vitorioso é liderado por pessoas como Gilberto Kassab, que foi ministro de Dilma Rousseff até o dia do impeachment e de Michel Temer a partir do dia seguinte, chefe de um partido da chamada centro-direita que tem três ministérios no governo Lula. Quais suas crenças? Quais suas bandeiras?
Esse centro parece ser definido não por suas convicções, mas pela ausência delas. Diálogo e pragmatismo parecem eufemismos para uma maleabilidade que permite aos seus integrantes assistir a tudo em cima do muro e receber cargos e benesses nos governos de Fernando Henrique, Lula, Bolsonaro e no próximo que aparecer.
Em termos econômicos, o que seria o centro? Em princípio, poderia ser qualquer coisa entre a direita e a esquerda.
O centro que eu gostaria de ver forte na nossa política defenderia políticas de inclusão e transferências diretas de renda, como a esquerda, mas se oporia a subsídios a setores da economia, como a parte liberal da direita.
O setor privado seria o motor do crescimento. Reformas liberais para melhorar o ambiente de negócios e reduzir entraves à produção e à criação de empregos seriam prioritárias -mesmo que ameaçassem empregos e empresas existentes.
Libertários apontam que, com frequência, grandes empresas e o governo são cúmplices para reduzir a concorrência. Sim, mas também é verdade que, deixada livre, a economia não vai em direção à livre concorrência e a mercados eficientes. É papel do governo agir para fortalecer a concorrência, proibir conluios entre empresas e reduzir as barreiras à entrada de novos competidores.
Além disso, diversos mercados carecem de regulação por causa da assimetria entre compradores e vendedores. É o caso dos mercados financeiros, de saúde e de seguros. No caso da saúde, o Brasil tem um sistema híbrido (parte público e parte privado) e o melhor plano não é migrar para um dos extremos.
O mercado de crédito no Brasil é cheio de intervenções (BNDES, caderneta de poupança para financiamento habitacional, crédito direcionado para o setor agrícola...). A maior parte dessa estrutura precisa ser demolida. Assim, teremos uma taxa de juros básica da economia bem mais baixa e acesso ao crédito mais justo.
Impostos, em geral, são ruins, porque desestimulam a produção e os empregos. Contudo, como já escrevi zilhões de vezes aqui, impostos sobre emissões de poluentes são bons. Precisamos de muito mais impostos sobre o que gera poluição.
A legislação trabalhista atual mais atrapalha que protege. Alguma proteção é importante, deve existir um piso salarial, mas o sistema atual desestimula a criação de empregos formais e gera um número absurdo de ações na Justiça do Trabalho.
Esse centro tem posições e convicções -mas respeita e quer conversar com os convictos da direita e da esquerda. Não tem muita vontade de conversar com os mercadores da política.
Esse centro não ganhou eleição. Pouco concorreu.
 

Notícias relacionadas