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Opinião Econômica

Publicada em 06 de Outubro de 2024 às 23:21

BNDES fecha a conta fiscal em troca de funding barato

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Marcos Mendes
Marcos Mendes: Economista, pesquisador associado ao Insper, é autor de 'Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?'
Marcos Mendes: Economista, pesquisador associado ao Insper, é autor de 'Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?'
O BNDES aumentou o pagamento de dividendos ao Tesouro para "colaborar" com o ajuste fiscal. Os R$ 10,5 bilhões previstos no início do ano já subiram para R$ 26 bilhões. O Tesouro está retribuindo, repassando ao BNDES recursos a baixo custo, para aumentar a disponibilidade do banco para empréstimos.
Há vários fundos no Orçamento com receitas e despesas vinculadas. O Fundo Social, por exemplo, recebe royalties de petróleo e tem que gastar em saúde, educação e meio ambiente. Usualmente esses fundos não gastam tudo o que recebem. Acumulam o que a contabilidade pública chama de "superávit financeiro".
De tempos em tempos, os governos desvinculam esses saldos, e os usam para abater dívida pública. Procedimento precário, em contexto de forte vinculação de receitas e muita despesa obrigatória.
A nova moda é desvincular os fundos para transferir ao BNDES. Em vez de reduzir a dívida pública, objetivo principal de um ajuste fiscal em país muito endividado, o dinheiro vai para o banco estatal.
A lei 14.981/24 autorizou a desvinculação de R$ 20 bilhões do Fundo Social para envio ao BNDES.
A mesma lei autorizou que o Fundo Nacional da Aviação Civil repasse recursos ao BNDES para financiamento a empresas aéreas. Antes, esse dinheiro só era gasto em despesas primárias, como em reformas de aeroportos, e boa parte se acumulava em superávit financeiro, que ajudava no esforço fiscal. Estamos falando de algo entre R$ 5 bilhões e 7 bilhões por ano que deixarão de abater dívida e alimentarão o crédito público.
A intenção é aumentar a dose. A PEC 66/23, já aprovada no Senado com o beneplácito do governo, pretende desvincular 25% do superávit financeiro de todos os fundos do Poder Executivo, com as exceções de praxe, como o FPM e o FPE.
Mais uma vez, o destino do dinheiro seria o BNDES. Uma primeira desvinculação do estoque já disponível estaria na casa de R$ 50 bilhões, além dos saldos que se acumulariam posteriormente nos fundos, a serem desvinculados no futuro.
O BNDES também administra o fundo garantidor FGI-Peac, que em 2024 recebeu R$ 450 milhões de aporte do Tesouro. Nada impede que mais recursos entrem por essa via, pois o governo pode fazê-lo por crédito extraordinário, que não é computado para o limite de despesas do arcabouço fiscal.
Há, ainda, o Fundo Clima, gerido pelo BNDES, que é abastecido por dinheiro levantando pelo Tesouro com emissão de green bonds no exterior, sem impacto nas contas primárias. Em 2024 já foram R$ 10 bilhões.
O banco ainda poderá captar recursos diretamente em mercado, não mais dependendo do racionamento de recursos pelo Tesouro, pois a lei 14.937/24 o autorizou a emitir títulos próprios.
Esse funding vitaminado fluirá para empréstimos subsidiados, pois a mesma lei criou alternativas mais baratas à TLP (Taxa de Longo Prazo), instituída em 2017 justamente para acabar com a festa dos subsídios distribuídos pelo banco.
Dobradinhas Tesouro-BNDES do passado não deixaram saudade.

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