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Opinião Econômica

Publicada em 03 de Outubro de 2024 às 01:25

Lula estressa a economia

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Folhapress
Samuel Pessôa
Samuel Pessôa
No dia 13, o presidente Lula inaugurou o Complexo de Energias Boaventura, na zona metropolitana do Rio. O complexo é a versão reciclada da refinaria Comperj, um dos maiores elefantes brancos de nossa história.
No evento de inauguração, o presidente criticou a afirmação do Banco Central em seus documentos de que a política de elevação do salário-mínimo é inflacionária.
Afirmou que os elevados salários pagos a executivos e outros profissionais não são considerados inflacionários, que os dividendos que a Petrobras distribui não sãos considerados inflacionários, mas a política de valorização do salário-mínimo é inflacionária para o mercado e para o Banco Central.
A diferença é que os salários dos executivos e os dividendos da Petrobras são rendas produzidas pelo funcionamento do mercado. O valor do mínimo é fruto de uma legislação aprovada no Congresso Nacional e não guarda proporcionalidade com a evolução da produtividade do trabalhador de baixa qualificação.
A mesma diferença ocorre com os juros da dívida pública e o gasto primário. Os juros da dívida pública são fruto de contrato feito em condições de mercado entre os poupadores que financiam o Estado brasileiro. As linhas do gasto primário são decididas pelo Congresso Nacional.
Há por parte de Lula um questionamento e desconforto com a operação de uma economia de mercado. É natural que assim seja. A operação da economia de mercado produz por aqui uma das maiores desigualdades de renda que se conhece.
Uma forma de alterar a desigualdade, a longo prazo, é por meio da escolarização de qualidade da população. Apesar de certo ceticismo com a educação, trabalho recente muito cuidadoso, e ainda não publicado, de Amory Gethin documenta que a escolarização da população explica 50% de todo o crescimento na economia mundial entre 1980 e 2022 e 70% do crescimento da renda do quinto mais pobre da população mundial.
Em prazos médios, é possível melhorar a distribuição de renda alterando as instituições, como a legislação sindical, trabalhista e tributária, entre outras. No Brasil, parece que a reforma dos impostos de renda com vistas a elevar a progressividade será o próximo passo do ministro Haddad. Um passo importante será alterar o gasto tributário que favorece os mais ricos, como dedução integral dos gastos com saúde do IRPF e isenção de contribuir com o IRPJ de pessoas ricas com doenças previstas em lei.
A curto prazo, o principal instrumento de redução da desigualdade que Lula tem é a regra de valorização do salário mínimo. Este aumenta mecanicamente a renda dos trabalhadores desqualificados. Adicionalmente, como os benefícios dos programas sociais estão vinculados ao mínimo, sua elevação aumenta o salário de reserva do trabalhador desqualificado.
No entanto, a limitação de recursos é fato. A elevação do salário mínimo pressiona a demanda e, quando a economia se aproxima do pleno emprego, é inflacionária. Esse fato da vida Lula não conseguirá alterar. Teremos mais juros à frente.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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