Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Opinião Econômica

Publicada em 01 de Outubro de 2024 às 01:25

Regular as bets é urgente

Compartilhe:
Folhapress
Rodrigo Zeidan
Rodrigo Zeidan
Proibir o uso de cartões de crédito para apostas esportivas online (bets), como já foi feito na Austrália, é uma medida urgente de saúde pública, não só de economia. E vamos precisar de mais medidas.
A questão não é evasão de divisas ou coisas similares. As pessoas têm o direito de adquirir serviços do exterior sem restrições. O problema é que bens e serviços que não necessariamente apresentam utilidade marginal decrescente podem viciar e causar sérios danos sociais.
Normalmente, temos menos satisfação cada vez que consumimos mais uma unidade do mesmo produto. A primeira coxa de frango é mais gostosa que a segunda e lá pela oitava não aguentamos mais comer. Mas com alguns serviços não é bem assim: se a décima aposta gerar tanta serotonina quanto a nona, há risco de não conseguirmos parar. É por isso que jogos de azar são regulados no mundo inteiro, mesmo quando permitidos. Não há livre mercado de apostas.
Primeiramente, devemos tirar o componente moral da discussão. Essa questão perpassa todas as camadas sociais, dos mais pobres aos mais ricos. Quando vemos notícias como a de que usuários do Bolsa Família estão gastando tubos de dinheiro com bets, a primeira reação é de desperdício de dinheiro público. Mas não é bem assim.
Centenas de estudos comprovam que esse é o melhor programa social da história do Brasil, independentemente de onde as pessoas gastam seu dinheiro. Pobres têm o direito de sonhar em ganhar uma grana da mesma forma que alguém de classe média ou rico. Loterias são mais usadas por pobres porque os mais necessitados usam tais serviços para fantasiar com uma vida melhor.
Ninguém deve julgar os gastos alheios. Cada um sabe onde seu calo aperta. Pense bem, se você fosse muito pobre, também não procuraria um atalho qualquer para sair da miséria?
Obviamente, os mais pobres podem ser mais afetados pela explosão das bets. Artigo científico de Baker e coautores (2024) mostra que a introdução dessas apostas causa uma redução significativa na poupança das famílias mais pobres. Eles encontram que quase 40% dos apostadores fizeram mais de dez depósitos nos sites, uma indicação de vício. Ademais, a cada US$ 1 investido em bets, a poupança das famílias cai US$ 2, com aumento substancial das dívidas de cartão de crédito. Educação e regulação caminham juntos.
Precisamos mudar as regras. A Austrália proibiu o uso de cartões de crédito para limitar o endividamento das famílias; uma coisa é usar o dinheiro disponível, outra é comprometer a renda futura. O país também impõe limites sobre campanhas de marketing. Outra iniciativa é um registro voluntário, BetStop.
Quando uma pessoa coloca seu nome no registro e o período em que gostaria de estar nele (por exemplo, um ano), isso impede que qualquer empresa de apostas aceite seu dinheiro. Indivíduos anunciam publicamente que não vão apostar, algo que limita a tentação de fazer só mais uma fezinha. Mais de 28 mil australianos colocaram seus nomes nesse registro, sendo que 40% escolheram uma proteção vitalícia contra a tentação das apostas online.
Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
 

Notícias relacionadas