A sua inflação pessoal é sempre diferente da oficial, mas isso não quer dizer que o IPCA ou o IGP-M sejam manipulados. Hoje, a inflação está razoavelmente controlada e o trabalho do novo presidente do Banco Central parece que não será muito difícil.
As expectativas são de que o IPCA vá terminar este ano pouco acima de 4%, caindo para 3,5% em 2025 e 2026. Mas inflação previsível não significa estabilidade para todos. Sempre há gente com perdas maiores do que os índices oficiais. É da natureza do indicador.
Para muitos, a preocupação com a inflação supera a de qualquer outro indicador econômico. O impacto psicológico da volatilidade dos preços, a aversão à perda e a distribuição desigual dos choques inflacionários continuam a afetar a opinião pública, a ponto de ainda ter gente com medo de que a hiperinflação volte.
Mas por que as pessoas normalmente acham que dados oficiais subestimam a inflação? Será por causa do nosso histórico? Afinal, já tivemos ministros da Fazenda, como Delfim Netto, acusados de manipular índices inflacionários -com boas evidências de que isso tenha mesmo sido feito. Em 1973, o índice oficial foi de 15%, mas deveria ter sido de 26%. Em 1983, chegamos a ter dois índices de inflação, um com trigo e derivados de petróleo e outro sem, já que o governo tinha acabado de tirar o subsídio desses produtos e os preços explodiram.
Entretanto, não precisamos de malícia para explicar o descompasso entre o que sentimos no dia a dia e os dados oficiais. O IBGE e a FGV fazem trabalhos cuidadosos. E, diferentemente da Argentina no passado, que chegou a processar quem publicava índices alternativos, qualquer um pode publicar o que quiser. Não gostou dos dados do governo? Crie o indicador que quiser.
Índices de inflação são médias ponderadas dos preços dos produtos e serviços que consumimos, com pesos maiores para os mais importantes, como aluguel e transporte, e menores para os que nos afetam pouco, como o chuchu. Assim, para que nossa experiência individual seja diferente dos indicadores oficiais, basta que nosso consumo do dia a dia seja diferente da média.
Por exemplo: se nossos gastos estão muito mais ligados à alimentação do que ao transporte e a comida encareceu enquanto os custos de transporte caíram, nossa inflação percebida é maior que a oficial.
Há também um efeito psicológico. Imagine que você entre em um supermercado com três categorias de produtos. Categoria A são os produtos que ficaram mais caros, a B os que ficaram baratos e a C os que mantiveram os preços. É quase certo que vamos prestar muito mais atenção nos produtos da categoria A.
Tendemos a ignorar valores que sejam iguais aos que achamos no passado. E embora possamos nos surpreender com aqueles que ficaram mais baratos, normalmente achamos que seriam por descontos temporários. Isso se deve ao fenômeno de aversão a perdas, fenômeno estudado pelo recentemente falecido Nobel de Economia Daniel Kahneman. Nosso cérebro valoriza perdas e ganhos de forma assimétrica. Preferimos perder menos do que ganhar mais.
O IPCA não consegue captar as nuances do consumo individual. Essa percepção distorcida contribui para a sensação de que a inflação real é maior do que a divulgada. Mas isso não quer dizer que os dados sejam manipulados.
A hiperinflação acabou há 30 anos. Não vai voltar. E sua inflação pessoal é diferente da oficial. Mas nem sempre é maior. Com certeza.