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Opinião Econômica

- Publicada em 30 de Julho de 2024 às 19:06

Ajustes pelo lado da despesa são necessários

Cecilia Machado, economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Cecilia Machado, economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Quando o novo arcabouço fiscal foi aprovado, em 2023, já se sabia que a estratégia de ajustar receitas para fazer frente a uma determinada expansão de gastos se Cecilia Machado ria arriscada. Isso porque a cobrança de impostos é medida impopular, além de ter impactos fiscais incertos e defasados no tempo.
Igualmente preocupante seria garantir que o crescimento da despesa ficaria em até 2,5% (em termos reais), já que o reajuste de diversos itens do Orçamento respeita regras próprias, que não guardam nenhuma relação com o limite estabelecido no novo arcabouço.
Pois não chegou a levar nem um ano para que esses dois riscos se materializassem, colocando em evidência mais uma vez que a sobrevivência de qualquer regra fiscal no Brasil precisa olhar com mais cuidado para o crescimento das despesas.
Do lado da arrecadação, diversas medidas implementadas não geraram a receita esperada -a exemplo da que reestabelece o voto de desempate pró-governo no Carf-, ao passo que outras enfrentam enorme resistência do Congresso e ainda não entraram em vigor -como o fim da desoneração da folha de pagamentos. Dentre as que devem gerar aumento de arrecadação, os custos envolvem a perda do bem-estar da população, como no imposto de importação para itens de pequeno valor, a chamada "taxa das blusinhas", que incide justamente sobre os mais pobres.
As dificuldades em promover o equilíbrio fiscal pelo lado da arrecadação ficaram ainda mais evidentes a partir dos números divulgados recentemente no terceiro relatório de avaliação de receitas e despesas. Nele, o resultado primário estimado ficou aquém do limite inferior da meta, implicando um contingenciamento -isto é, um limite na execução das despesas- de R$ 4 bilhões.
E, apesar de o relatório ter sido trazido algum ajuste nas superestimativas de receita e subestimativas de despesas presentes em relatórios anteriores, as premissas do governo para o ano ainda seguem otimistas, especialmente do lado das receitas, como com relação ao que se espera arrecadar através do Carf, das transações tributárias e das subvenções para investimento. Assim, é provável que o próximo relatório traga a necessidade de um contingenciamento maior, colocando mais dúvidas sobre o cumprimento da meta fiscal deste ano.
Do lado das despesas, o relatório também confirmou a ausência de mecanismos para garantir limite nos reajustes das despesas do Orçamento, conforme visto no forte crescimento dos gastos com o BPC e com benefícios previdenciários. Nos dois casos, houve aumento do número de beneficiários e do valor do benefício, que está indexado a um salário mínimo que se valoriza em termos reais.
Além disso, com o fim do teto dos gastos, despesas com educação e saúde voltaram a ter gastos mínimos vinculados a um percentual da receita. Para compensar esse aumento, um bloqueio adicional de R$ 11 bilhões tornou-se necessário, exigindo redução equivalente de outros gastos discricionários (como custeio e investimento) previstos no Orçamento do ano.
Fica claro que a sobrevivência do novo arcabouço fiscal exigirá ajustes pelo lado das despesas, seja modificando regras de reajustes que tornam a execução dos gastos muito rígidas, seja reavaliando políticas, programas e incentivos fiscais pouco eficazes. A verificação das informações cadastrais que alimentam a concessão de benefícios sociais e aposentadorias -conforme proposto pelo governo- é um importante passo nessa direção, mas se mostrará insuficiente se uma correção mais profunda na estrutura dos gastos públicos não for endereçada.