No último dia 3, o ministro da Fazenda reuniu-se com o presidente da República. O resultado da conversa foi assim noticiado pela Folha: "Haddad anuncia R$ 25,9 bi em cortes para manter o arcabouço". Outros veículos trouxeram manchetes similares, que deram ao leitor a impressão de que havia sido determinado um corte imediato de despesas.
A realidade, contudo, é que nem um tostão de despesa foi cortado.
O que se fez foi subestimar a despesa orçada para 2025. O governo está com dificuldade de fechar o orçamento do próximo ano cumprindo a meta de déficit zero. Para "resolver o problema", anunciou que vai diminuir a despesa orçada, com base em uma promessa de rever benefícios indevidos e, quem sabe, economizar quase R$ 26 bilhões.
Se não der certo a revisão, faltará orçamento para pagar a despesa. Há indícios de superestimação da economia prevista. Um estudo feito por Leonardo Rolim, ex-secretário de Previdência e ex-presidente do INSS, propõe dez iniciativas distintas, que gerariam uma economia de R$ 18 bilhões no primeiro ano após as revisões -R$ 8 bilhões a menos que a promessa do governo.
Ademais, o conjunto de medidas propostas por Rolim é bem mais amplo do que sinaliza o governo. O texto sugere, por exemplo, apertar os critérios para isenção de imposto de renda para aposentados e pensionistas com doenças graves (R$ 4,5 bilhões de economia no primeiro ano). Também propõe restringir a isenção de IPI na venda de automóveis para pessoas com deficiência (R$ 0,3 bi). Essas medidas não parecem estar no radar do governo.
Em pelo menos uma das ações propostas -a revisão do BPC (R$ 4,2 bi de impacto no primeiro ano)- o estudo aponta a necessidade de alteração da legislação. Para ter efeito no ano que vem, esse projeto de lei (ou emenda a ser encaixada em algum projeto) precisa ser proposto e aprovado rapidamente.
Há, também, a necessidade de contratar pessoal temporário para fazer força tarefa para acelerar a análise, pelo INSS, de processos com indícios de fraude (R$ 3 bilhões de economia no primeiro ano) e nas compensações com regimes dos estados e municípios (R$ 2,3 bilhões). Não é rápido contratar e treinar pessoal.
Não se deve subestimar a dificuldade de montar e implementar simultaneamente dez ações diferentes de revisão de benefícios e melhorias gerenciais. É necessário capacidade de coordenação e superação de inércia burocrática. A discussão sobre os critérios de revisão de cada benefício pode levar meses.
Se a revisão ficar concentrada nos benefícios previdenciários típicos, para os quais a Previdência teria alguma agilidade e experiência prévia (auxílio incapacidade temporária, auxílio acidente, aposentadoria por invalidez) a economia prevista por Rolim seria de apenas R$ 2,5 bilhões no primeiro ano e R$ 5,1 bilhões no segundo.
O anúncio do resultado da reunião de Haddad com o Presidente foi um contorcionismo retórico para transformar uma subestimação de despesa orçamentária em "corte de despesas".
Rever benefícios, evitar fraudes e ser criterioso na concessão é obrigação cotidiana. Principalmente quando observamos crescimento explosivo no número de beneficiários de alguns programas como o BPC-deficientes (12% ao ano) ou auxílio-doença (50% ao ano). Algo de errado está acontecendo e precisa ser investigado.
Mas isso não substitui a agenda de correção das regras que levam ao crescimento insustentável da despesa obrigatória, como a correção das aposentadorias pelo reajuste real do salário mínimo, as regras frouxas de aposentadoria para militares ou a proliferação das emendas parlamentares, entre tantas outras.
Ao colocar todas as fichas na revisão de benefícios, chancelou-se o veto do presidente às reformas necessárias.
Se a reunião com o Presidente tiver realmente mudado a orientação da política fiscal, no próximo dia 22 o governo bloqueará pelo menos R$ 23 bilhões em despesas de 2024, para evitar o descumprimento do teto de despesas do arcabouço.
Se não o fizer, dará razão ao bordão do inesquecível personagem Odorico Paraguaçu: "palavras são palavras, nada mais que palavras!".
Marcos Mendes