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opinião econômica

- Publicada em 08 de Julho de 2024 às 19:24

Você ganha com a descriminalização da maconha?

Michael França, economista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper
Michael França, economista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper
No dia 25 de junho, o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou uma decisão histórica ao descriminalizar a maconha, provocando uma profunda transformação na política de drogas do Brasil. Embora o futuro dessa decisão ainda dependa do Congresso, o impacto imediato foi significativo, desencadeando intensos e divididos debates sobre as possíveis consequências para a sociedade brasileira.
Um desses debates foi levantado pelo próprio STF, ao citar um estudo que realizei juntamente com os pesquisadores Daniel Duque e Alisson Santos, do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, e que teve ampla repercussão na mídia nas últimas semanas.
Em nosso estudo, mostramos que, ao considerar a mesma quantidade de drogas, nível de educação, idade, sexo e outras características observáveis, os negros têm uma probabilidade significativamente maior de serem indiciados por tráfico. Esse efeito é ainda mais acentuado para pequenas quantidades e drogas leves, como a maconha. Além disso, constatamos que os pretos têm uma probabilidade um pouco maior do que os pardos de serem enquadrados como traficantes, reforçando a hipótese de viés racial no processo.
No entanto, a descriminalização da maconha não apenas representa uma possibilidade de reduzir a discriminação no sistema de justiça criminal, onde os negros e as comunidades marginalizadas são frequentemente impactados, mas também pode ter efeitos expressivos sobre aqueles que não são usuários da substância.
Um dos principais impactos está na redução dos custos do próprio sistema de justiça criminal. Menos prisões e processos por pequenas infrações de posse de maconha se refletem em substanciais recursos públicos que podem ser economizados. Tais recursos poderiam ser redirecionados para áreas mais essenciais, como educação, saúde e infraestrutura, promovendo maior bem-estar para a população.
Além disso, a descriminalização pode descongestionar um sistema prisional sobrecarregado com detentos, muitos dos quais estão presos devido a crimes relacionados ao porte de pequenas quantidades de maconha. Isso não só alivia a pressão sobre as prisões, mas também permite que as forças policiais e o sistema de justiça concentrem seus esforços em crimes mais graves e violentos.
Com uma abordagem mais direcionada, é possível criar um ambiente mais seguro e focado na resolução de problemas realmente críticos para a população, o que gera maiores perspectivas de desenvolvimento socioeconômico ao longo do tempo.
Contudo, desmantelar traficantes, políticos e policiais corruptos exige mais do que uma simples descriminalização: o debate precisa avançar para a legalização. A legalização criaria um mercado regulado, minando parte da base financeira dos traficantes e tendo o potencial de reduzir a corrupção entre as autoridades que lucram com essa máquina de destruir pessoas.
Regulamentar e taxar a venda de maconha permitiria um controle mais eficaz da produção e distribuição, além de gerar receitas para o governo que poderiam ser reinvestidas em programas para reparar as comunidades atingidas pela fracassada guerra às drogas.
Deste modo, embora a descriminalização da maconha seja um importante avanço para uma sociedade forjada na diferença de tratamento, deve-se ter em mente que ela é apenas o começo. Muito mais precisa ser feito para quebrar as barreiras do subdesenvolvimento, do preconceito e das limitações às liberdades individuais. É preciso muito mais para criarmos um ambiente fecundo que permitirá o florescimento das melhores expressões do potencial humano.