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Opinião Econômica

- Publicada em 03 de Julho de 2024 às 19:21

O homem é o lobo de si mesmo

Bernardo Guimarães, doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP
Bernardo Guimarães, doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP
Já dizia Hobbes, o lobo é o lobo do homem. Assim, para regular a vida em sociedade, temos as leis e o sistema de justiça. No que diz respeito a mercados e à economia, regras claras e confiáveis nos permitem trocar e conviver sem que um prejudique o outro. Essa ideia parece óbvia e abrangente.
Contudo, várias das principais discussões recentes sobre mercados e economia não se encaixam bem nesse escopo.
Nas últimas semanas, falou-se muito sobre o mercado de drogas -em especial a maconha, seguindo a decisão do STF- e sobre o mercado de jogos de azar -em especial sobre caça níqueis online, como o jogo do tigrinho.
Leis que regulam esses mercados visam proteger o indivíduo de si mesmo, não de outras pessoas. Muitas dessas atividades são proibidas por causa do temor que as pessoas se viciem e percam muito dinheiro (no caso dos jogos) ou a saúde (no caso das drogas).
Talvez não devêssemos nos surpreender com isso. Vivemos num mundo em que há mais suicídios que homicídios. É razoável que cada um de nós se preocupe em se proteger de si mesmo.
Pode-se argumentar que a gente deveria se preocupar com isso, mas o Estado não. Afinal, o Estado não dá conta do básico, que é proteger um dos outros. A grande maioria dos homicídios não é esclarecida, os conflitos de interesse no sistema de justiça estão escancarados nas manchetes... queremos dar ainda mais atribuições a esse Estado?
O argumento contrário é que o vício em jogos e drogas tem consequências gravíssimas para muitas pessoas. Se a estrutura estatal pode ajudar, por que não a usaríamos?
Aí, cada um terá sua opinião sobre quanto o Estado deve agir para proteger as pessoas de si mesmo. Seja qual for sua preferência, na discussão sobre essas políticas públicas, é fundamental separar
1. Os efeitos na pessoa que queremos proteger
2. Os efeitos sobre a sociedade
Para proteger as pessoas delas mesmas, há medidas pouco custosas que podemos adotar.
No caso de jogos de azar, quem vende apostas deveria explicitar quanto se perde, em média, por real apostado. Influenciadores deveriam avisar sobre conflitos de interesse. Em jogos online, limites à perda mensal poderiam ser estabelecidos antes do jogador começar a apostar. Algumas dessas prescrições se aplicam à versão classe-média do jogo do tigrinho: o day-trade.
No caso de drogas, não é difícil impor limites à propaganda e às formas de vender os produtos, por exemplo.
Porém, as pessoas gostam de muitas coisas que fazem mal à saúde e ao bolso, incluindo drogas e jogos de azar. Querer que a legislação acabe com essa demanda é como querer que pela lei, a gente seja obrigado a ser feliz.
E aí, a discussão precisa considerar os efeitos na sociedade como um todo.
O principal problema da proibição é entregar esses mercados ao crime organizado. As ações dos mercadores de cocaína e vodca são tão diferentes porque uma é proibida e a outra é liberada. Proibir o mercado legal enche os bolsos de quem opera ilegalmente. É difícil exagerar o tamanho desse problema.
Outra preocupação relacionada com o crime é o uso de sites de apostas para lavar dinheiro.
O efeito sobre o crime precisa estar no centro das discussões sobre proibir ou regular esses mercados.
Contudo, no momento, não podemos vender maconha, mas podemos comprar, de acordo com o STF -o Congresso quer proibir. Enquanto isso, cerveja pode ser propagandeada (praticamente) como suco de laranja. E não dá para entender como alguns jogos são proibidos e outros podem anunciar seus produtos nas camisas dos times de futebol.