A greve dos professores universitários federais é prova de falência institucional (não entro no mérito do pedido de aumento em si). Não há custos; ninguém vai ter o salário cortado e reposição de aulas, se houver, será sempre em calendário escolhido a dedo para minimizar impacto nos instrutores.
A greve dos professores universitários federais é prova de falência institucional (não entro no mérito do pedido de aumento em si). Não há custos; ninguém vai ter o salário cortado e reposição de aulas, se houver, será sempre em calendário escolhido a dedo para minimizar impacto nos instrutores.
Mas há questões mais sérias que salário. Vivenciamos uma revolução silenciosa no mundo: a carreira de professor universitário está se aproximando das de outros instrutores, com separação entre ensino e pesquisa (professores horistas de universidades privadas que o digam). Na fronteira estão universidades britânicas, algumas delas de ranking baixo, mas outras prestigiadas, como a universidade de Essex, que propôs criar mais um termo de aulas.
A carga aumentaria para 20 horas semanais em sala de aula e acabariam as férias de verão. Os sindicatos estão lutando contra, mas a tendência de aumento de aulas é inexorável, com bons pesquisadores "pagando", via fundos de pesquisa, para ensinar menos.
A questão é que lá, como aqui, professores são contratados para fazer pesquisa, mas muitos não publicam e outros não fazem ciência de qualidade. Poucos abnegados carregam o piano em muitos departamentos. Até aí, são as regras do jogo. Mas elas estão mudando. No passado, pesquisa informava ensino. Mas, com a massificação do ensino superior, a demanda por ensino aumentou mais que a demanda por pesquisa.
Para a sociedade como um todo, a democratização do ensino é obviamente excelente, pois a qualidade do capital humano aumenta. Contudo, como qualquer expansão rápida de sistema dinâmico, a velocidade traz diminuição da qualidade em primeiro momento. Quando universidades eram somente para elite, seja de professores, seja de alunos, não era preciso controle de qualidade. Quando é necessária estrutura para milhões de estudantes, a coisa muda de figura. O que não falta é docente que reclama: "No passado, ninguém ficava olhando o que a gente fazia; tínhamos total autonomia".
Tal autonomia fazia sentido quando meia dúzia de professores publicava artigos científicos. Hoje, a competição é tão grande que muitos só querem bater meta -e ainda lidamos com fábricas de artigos, plágios descarados e "ciência salame".
Outro dia recebi um "convite". Parafraseando: "vimos que um aluno que você ajudou a orientar não transformou seu trabalho em artigo. Contratamos um consultor para ser coautor e tentar publicar a dissertação, porque conta pontos para o programa. Você quer participar?". A resposta para esse absurdo foi um sonoro não.
A regulação é tosca, mas o oposto também. Há quem queira autonomia total, mas foge de fazer qualquer coisa (algo que infelizmente encontrei muito no Brasil e no mundo). Esses reclamam de qualquer regra que os faça ter que trabalhar.
No passado, qualquer pessoa com diploma universitário tinha emprego garantido. Mas o número de diplomas explodiu (em 1910, os EUA geravam 400 doutores por ano; hoje esse número é de 200 mil).
Hoje, graduação não é garantia de nada. Isso é ótimo para a sociedade, mas é mais difícil para um indivíduo se destacar. Na China ou na Dinamarca, onde ensino há mais de uma década, empresas já esperam contratar alunos com mestrado completo. Isso cria uma corrida por diplomas, mesmo sem real interesse de alunos (e muitas vezes, professores) por esses papéis.
A adaptação vai ser difícil, mas greve não é solução. Os alunos que o digam.