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A novela da desoneração da folha continua
Por JC
Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP
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Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP
Em 2012, a presidente Dilma resolveu desonerar a folha de pagamentos. O objeto da medida eram setores da indústria de transformação que estavam sendo afetados pela competição da China. Com o passar dos anos, passou a boiada e inúmeros outros setores foram incluídos.
Desde 2015 tentamos acabar com essa política pública. Todos os trabalhos sérios que conheço documentam que ela não surtiu os efeitos pretendidos. O retorno social é muito baixo diante do custo fiscal.
No Brasil, qualquer política pública, uma vez criada, se transforma em permanente. Hoje, os 17 setores não são os mesmos que foram objeto da medida. Vários são setores de serviços que não sofrem competição da China.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que, para a manutenção da desoneração da folha de salários, o Congresso, com o Executivo, precisa encontrar alguma base de tributação para compensar a perda.
Na terça-feira, o governo enviou ao Congresso uma medida provisória, a MP 1.227, como uma sugestão para compensar as perdas de arrecadação com a desoneração da folha de salários. A medida é muito ruim.
O PIS/Cofins é um tributo que opera para muitos setores no regime não cumulativo. Significa que incide sobre as vendas do produto ou serviço ofertado pela empresa líquido (descontado) dos impostos que foram pagos nos insumos que a empresa adquiriu.
As empresas, quando compram insumos, adquirem um crédito dado pela PIS/Cofins que incidiu nesses insumos e, quando forem pagar o imposto na sua produção, recuperam o crédito.
E se a empresa for exportadora? Como na exportação não incide Cofins, como ela faz para recuperar o crédito? Até terça-feira passada, a recuperação do crédito para as empresas exportadoras ocorria por meio de redução de outros tributos que a empresa recolhe para a Receita Federal. Por exemplo, o Imposto de Renda e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
O 5º parágrafo da MP 1.227 estabelece que a empresa não pode mais compensar o crédito da Cofins com outros impostos. Se a empresa exportar, operação em que não incide a Cofins, ela terá que pedir ressarcimento do crédito na Receita Federal.
O problema é que a Receita leva um ano para responder ao pedido e não tem prazo para pagar, e os juros somente começam a ser contados após um ano do recebimento do pedido de ressarcimento da empresa.
O governo alega que não pode ressarcir o crédito com Imposto de Renda pois ele é compartilhado com estados e municípios. Mas o mesmo não se aplica à CSLL. A MP 1.277 poderia permitir que a CSLL devida pela empresa pudesse ser empregada para ressarcimento dos créditos.
As medidas passaram a valer na própria terça-feira, sem que houvesse a noventena o intervalo de 90 dias entre a criação de um tributo e sua efetiva cobrança.
De qualquer forma, esse artigo 5º da MP não representa uma nova arrecadação. Há somente uma postergação da compensação do crédito em razão da demora da Receita em ressarci-lo. Esse artigo da MP não atende ao comando do STF.
O artigo 6º da MP na prática elimina vários subsídios, quase sempre à exportação. Tive grande dificuldade de entender do que se trata exatamente cada medida. Em quase todos os casos, temos um crédito que foi concedido uma maneira de o Estado subsidiar a produção de um bem e a MP estabelece que o crédito somente pode ser compensado por Cofins que a empresa tenha a pagar. Novamente, se for uma empresa exportadora, fica sem saída. E, para os casos do 6º artigo, há a vedação ao ressarcimento diretamente com a Receita.
Sem entrar no mérito de cada medida do 6º artigo da MP, não faz sentido alterar as regras de cobrança de impostos sem que haja algum prazo para as empresas se ajustarem. A ampla reclamação das empresas faz todo o sentido.
A MP tem uma característica que tenho notado aqui neste espaço, que é focar o ajuste fiscal na elevação de impostos sobre as maiores empresas. No caso, empresas que exportam. É péssimo para a produtividade da economia. Há farta literatura que documenta esse fato.
Que confusão a política pública errada da desoneração da folha tem causado.