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Até quando consumo forte e investimento fraco vão conviver?
São desafios para um crescimento sustentável com inflação controlada
Por Folhapress
Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse Brasil
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Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse Brasil
O desempenho da economia tem surpreendido de forma positiva. As projeções para o crescimento do PIB em 2024, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central, começaram o ano em 1,6% e alcançaram 2,05% na revisão mais recente.
No entanto, essa robustez esconde duas realidades distintas: de um lado, um forte consumo das famílias, e, de outro, um investimento em ritmo lento. Ao que tudo indica, neste ano repetiremos a composição desigual de 2022 e 2023, quando o PIB cresceu 2,9% e 3,0%, respectivamente, impulsionado pelo consumo das famílias, que avançou 4,1% e 3,1%, respectivamente, enquanto o investimento acelerou apenas 1,1% em 2022 e recuou 3% em 2023.
Tal diferença nos diz muito sobre o desafio de alcançar um crescimento sustentável com inflação controlada.
Neste ano, o consumo vem sendo sustentado por estímulos fiscais, pelo mercado de trabalho aquecido e pelas condições de crédito mais favoráveis, em resposta ao ciclo de afrouxamento monetário em curso.
Já o investimento, que deveria se beneficiar de taxas de juros mais baixas e de sua própria base deprimida, não tem apresentado um comportamento positivo. As taxas de juros que afetam o investimento são as de longo prazo, influenciadas por diversos fatores, além da Selic, e, em particular, pela política fiscal.
Não à toa os investidores têm demandado um prêmio de risco maior para carregar títulos públicos.
Em menos de um ano de vigência do novo arcabouço fiscal, já presenciamos a reinterpretação do limite de contingenciamento, a manobra para antecipar um dispêndio extra de até R$ 15,7 bilhões e a mudança das metas a partir 2025. Além disso, o avanço das despesas previdenciárias e assistenciais atreladas ao salário mínimo e a volta dos pisos da Educação e da Saúde certamente inviabilizarão os gastos discricionários em breve.
Nesse contexto, a discussão sobre a flexibilização do limite de gastos restrito ao intervalo de 0,6% a 2,5% de crescimento real parece inevitável. De acordo com as estimativas da Instituição Fiscal Independente, a DBGG (Dívida Bruta do Governo Geral) deve encerrar 2024 no nível de 77,6% do PIB e subir para 80,1% do PIB em 2025.
Se esse valor se estabilizar em 2026 (hipótese bastante otimista), a alta da relação dívida/PIB será de quase nove pontos percentuais em um único mandato presidencial (sem considerar os efeitos fiscais da tragédia no Rio Grande do Sul). Quando o crescimento da dívida é tal que aumenta a incerteza sobre sua sustentabilidade, as expectativas de inflação se elevam, pressionando ainda mais as taxas de juros.
E não é apenas a influência das taxas mais altas no custo de financiamento que afasta os investimentos. A solução encontrada para limitar os déficits primários foi o aumento da carga tributária. Impostos costumam distorcer a alocação de recursos na economia, principalmente quando a carga tributária já é alta.
Concomitantemente, mudanças de leis tributárias e revisão da interpretação de regras antigas geram um ambiente de negócios negativo. Se, por um lado, aprovamos uma reforma sobre a taxação do consumo que pode trazer um sistema menos caótico, por outro, pioramos a insegurança jurídica no país.
A apreensão com o retorno do intervencionismo nas empresas estatais e privadas, combinada com a falta de independência das agências reguladoras para gerir setores críticos como o de infraestrutura, preocupa.
Leis aprovadas pelo Congresso são colocadas em xeque e têm seus efeitos suspensos, enquanto o regulador antitruste revê suas próprias decisões pró-concorrência, intensificando a sensação de incerteza, inclusive sobre o nosso passado.
Investimentos também se retraem quando a estabilidade de preços é questionada. A dissidência na mais recente reunião do Comitê de Política Monetária e as justificativas expostas lançaram dúvidas sobre a sua atuação a partir de 2025, quando o governo terá indicado a maioria de seus membros.
O desconforto com a meta de 3% voltou a aparecer, enquanto o decreto de regulamentação da proposta de torná-la contínua não parece ser prioridade. Em paralelo, as expectativas de inflação voltaram a subir, dificultando ainda mais a tarefa de trazer a inflação para a meta.
A grande crise econômica de 2014 a 2016 foi gerada justamente pela ideia de que, ao estimular o consumo a qualquer custo, o investimento responderia positivamente. O resultado foi uma queda no consumo de 3,2% em 2015 e de 3,8% em 2016, com IPCA de 10,7% e 6,3%, respectivamente.
Se as estratégias que temos visto persistirem, resta saber por quanto tempo esses dois Brasis o do consumo forte e do investimento fraco vão conviver.