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Opinião Econômica

- Publicada em 26 de Junho de 2024 às 18:27

Política monetária em momentos de desconfiança fiscal

Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse Brasil
Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse Brasil
A decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa de juros em 10,5% foi acertada e ajudou a conter ruídos sobre a independência dos novos diretores do Banco Central (BC).
Seu impacto nos preços dos ativos domésticos, no entanto, foi limitado. O fato é que continuamos com preços muito descontados em relação aos nossos pares e a raiz dessa deterioração está na nossa grave situação fiscal.
Estamos diante de uma dinâmica da dívida pública desfavorável, de metas para os resultados primários dos próximos anos bastante desafiadoras e de um arcabouço fiscal já em xeque no seu primeiro ano de vigência, perante às dúvidas em relação à manutenção do teto de gastos.
Os mecanismos para o ajuste necessário de curto e médio prazo, como cortes substanciais em despesas discricionárias e reduções no gasto obrigatório dependentes de reformas constitucionais, parecem ter baixo apoio político, especialmente em um ano de eleições municipais e passada quase a metade do atual mandato presidencial.
A alternativa, que poderia trazer maiores resultados para o primário, mas que não ajudaria na manutenção do arcabouço, seria uma nova rodada de medidas tributárias, que parece agora ser demasiadamente custosa, tanto para a economia real, quanto para o sistema político.
Em momentos como este, de alta incerteza sobre solvência fiscal, emerge a discussão sobre a possibilidade de estarmos caminhando na direção da chamada dominância fiscal. De modo geral, esta é uma situação em que a política fiscal restringe a atuação da política monetária.
Independentemente da disposição do Banco Central de perseguir a meta de inflação e de sua autonomia formal, a evolução dos preços passa a ser determinada pela necessidade de solvência do governo.
Na situação de dominância fiscal, o BC se vê sem instrumentos para trazer a inflação para a meta, pois ao subir a taxa de juros, em contexto de dívida pública elevada e insustentável, piora ainda mais seu custo e o desequilíbrio fiscal.
A inflação passa, então, a ser determinada pela política fiscal, com o BC forçado a acomodar o desequilíbrio fiscal.
Nesses casos, o Tesouro Nacional só consegue continuar a vender títulos públicos se a dívida pública tiver seu valor depreciado até que seu investidor esteja satisfeito com o retorno esperado.
No geral, esse processo de corrosão do valor da dívida se dá através de uma significativa depreciação cambial e do aumento da inflação. Com a surpresa da inflação, a dívida perde seu valor e o governo se torna solvente novamente.
A consequência direta desse processo é o aumento das expectativas de inflação, já que o BC é visto como um mero "carona", sem poder de direção, e o aumento da inflação é a "solução" para a crise fiscal.
Não estamos hoje em dominância fiscal. Temos um BC cujas ações e a comunicação certamente influenciam as expectativas dos agentes econômicos e trazem reações do sistema político.
Nas últimas semanas temos visto o governo começando finalmente a discutir cortes de gastos. Entre as medidas que circulam, algumas não resolvem diretamente o problema de excesso de despesas e outras enfrentam lobbies organizados e vão precisar de esforço político e da liderança do Executivo por serem impopulares.
Atualmente, o maior problema é o crescimento das despesas obrigatórias, puxadas pelo regime geral da Previdência, por outros gastos vinculados ao salário-mínimo (dada a nova regra que passou a vigorar em 2023) e os aumentos das despesas com saúde e educação, depois da volta da vinculação dos limites mínimos constitucionais às métricas de receita.
No curto prazo, precisamos de um contingenciamento para que a meta deste ano seja cumprida e para que o teto de gastos não seja rompido no seu primeiro ano de vigência.
Passadas as eleições municipais, teremos que discutir as vinculações acima descritas, programas como o abono salarial e, em algum momento mais breve do que imaginado, uma nova rodada da reforma da Previdência.
Apesar de haver motivos concretos para temermos que a eficácia da política monetária possa ser afetada por uma crise fiscal, temos até agora um BC capaz de adotar uma política monetária ativa. Mas o começo do ano que vem será desafiador, pois um novo BC sempre precisa construir sua própria credibilidade.
Seu trabalho será beneficiado se contar com o ajuste fiscal necessário. Caso contrário, a eficácia da política monetária será comprometida e o resultado será mais inflação, mais juros, menos crescimento e uma discussão séria sobre dominância fiscal.