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Opinião Econômica

- Publicada em 03 de Junho de 2024 às 19:53

Lula pode falar sobre juros?

Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP
Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP
É óbvio que Lula, presidente eleito, tem toda a legitimidade para discutir o tema dos juros. A questão é outra. Do ponto de vista do desempenho da economia, tem sido produtiva a forma como o presidente tem se pronunciado sobre o tema?
A resposta à pergunta feita no fim do parágrafo anterior é não. Lula tem atrapalhado a condução da política monetária. As interferências e a forma agressiva com que o Executivo tem tratado a política monetária já devem custar à economia e ao Tesouro na forma de juros mais elevados.
O problema ocorre porque as falas do presidente corroem a credibilidade da autoridade monetária. Um dos elementos importantes para a condução da política monetária é a confiança no sistema. A confiança no sistema se expressa na convicção das pessoas de que o Banco Central fará o necessário para entregar a inflação na meta em prazo razoável.
Prazo razoável é aquele suficiente para a absorção e o amortecimento de choques, quando for o caso, de forma a não comprometer a atividade econômica. O mandato do Banco Central do Brasil estabelece que a política monetária, ao perseguir a meta inflacionária, tem que observar o segundo objetivo, de suavizar o ciclo econômico.
Por exemplo, o Banco Central não elevará a taxa de juros devido ao encarecimento do arroz, que certamente ocorrerá em 2024, em razão das enchentes no Rio Grande do Sul.
O choque somente ensejará uma resposta da política monetária se houver repasse para o índice de preços como um todo. A ação da política monetária considerará também o mandato de o fazer de forma a não gerar perda excessiva de produto. O ciclo econômico precisa ser suavizado.
Um Banco Central crível torna todo esse trabalho muito mais simples. A credibilidade do Banco Central garante que as pessoas acreditem que a longo prazo a inflação voltará para a meta. Essa crença coordena as decisões de fixação de preços por parte do varejo, reduzindo a inércia inflacionária e, portanto, o custo de perda de produto da desinflação.
Temos visto como a atual desinflação, após o surto inflacionário da pandemia, tem ocorrido com baixíssimo custo social. No mundo desenvolvido, e também por aqui, essa desinflação tem sido a mais indolor desde o pós-Guerra.
Um dos motivos que explicam o baixo custo social da desinflação do atual surto inflacionário é este ocorrer após a adoção do regime de metas de inflação. É o primeiro surto inflacionário no hemisfério Norte após a adoção do regime de metas de inflação.
A conclusão é que o custo social da desinflação em uma economia que adota o regime de metas de inflação e no qual o Banco Central é crível é baixo.
Independentemente da minha avaliação da qualidade da condução da política monetária pela atual diretoria do Banco Central sob a liderança do presidente Roberto Campos Neto, os ataques de Lula ao BC são contraproducentes.
Sempre que o presidente Lula ataca o Banco Central ou sua condução da política monetária, ele reduz a credibilidade, na população, da autoridade monetária, elevando a inércia inflacionária e, com ela, o custo social da desinflação.
Na vida real, quem fala o que quer ouve o que não quer. Em se tratando de política monetária, sempre que o presidente fala o que quer, corre o risco de colher o que não é de seu interesse nem do país.