Os bons e maus números de PIB e inflação costumam ser associados às políticas implementadas pelo governo do momento. Mas, na realidade, muito do que se colhe no presente é consequência de políticas do passado.
Por exemplo, boa parte do desastre do governo Dilma decorreu de equívocos das gestões anteriores de Lula, como argumentei nesta coluna aqui. Por outro lado, a força do mercado de trabalho formal, observada atualmente, tem sido atribuída à reforma trabalhista de 2017.
O que o governo e as instituições públicas estão fazendo hoje influenciará nosso desempenho futuro. Isso é preocupante. Importantes fontes de dinamismo econômico, construídas por decisões acertadas do passado, estão sendo desmontadas, sinalizando um futuro medíocre.
O fim do monopólio da Petrobras, em 1997, expôs a empresa à competição e a forçou a se modernizar. A governança melhorou, a influência do governo diminuiu, atividades de baixo retorno foram deixadas de lado. Joint ventures com outras empresas alavancaram a pesquisa, desembocando na descoberta do pré-sal. Hoje, o petróleo rivaliza com a soja como principal produto de exportação.
O governo, contudo, está reorientando a empresa para atender suas políticas de controle de preços e incentivos setoriais. Reproduz um modelo que, apenas uma década atrás, corroeu o valor da empresa, atrasou a exploração de petróleo e abriu as portas para a corrupção. E que custou caro para consertar.
Outro fator positivo para o crescimento atual é a expansão do mercado privado de capitais, que provê financiamento de longo prazo aos investimentos privados. Nos anos 2000, após reformas do mercado de crédito, iniciou-se o crescimento do mercado de capitais privado. Porém, a partir de 2005/6, o governo optou por expandir o crédito público subsidiado via BNDES, expulsando os mecanismos privados de captação e introduzindo critérios políticos na alocação da poupança, o que reduziu a qualidade dos investimentos e, consequentemente, o potencial de crescimento econômico.
Quando, a partir de 2016, se reduziu a presença dos bancos estatais e os subsídios creditícios por eles concedidos, o mercado de capitais ressurgiu com força.
Vemos, agora, o retorno do protagonismo do crédito público, com o BNDES sendo autorizado a captar recursos com títulos próprios e isenção tributária, a recriação de várias modalidades de taxas de juros subsidiadas, e a expansão dos desembolsos dos bancos públicos. Para piorar, esses recursos vão financiar um plano de proteção de produtores internos contra a concorrência internacional.
A autonomia do Banco Central, inovação bem-sucedida adotadas por países desenvolvidos desde meados do século passado, que ganhou força a partir dos anos 1990, chegou tardiamente ao Brasil e tem sido essencial para preservar a inflação sob controle. Contudo, o Presidente da República, o Ministro da Fazenda e o PT deixam clara a intenção de controlar as decisões do COPOM.
Uma condição necessária para o bom desempenho econômico de longo prazo é a estabilidade das regras, os checks and balances entre os poderes e o adequado funcionamento da instituições reguladoras. Isso assegura um ambiente de estabilidade de regras e segurança jurídica. Também neste quesito vamos mal.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que há alguns anos recebia premiações internacionais, foi politicamente capturado, e acaba de chancelar ações anticoncorrenciais da Petrobras, que facilitará os planos de uso político da petroleira.
O STF parece abdicar de neutralidade política para fazer dobradinha com o Poder Executivo seja suspendendo a lei das estatais, para viabilizar a ocupação política de suas diretorias, seja concedendo liminar sob encomenda para facilitar negociações do Executivo com o Legislativo. Ao mesmo tempo, um de seus ministros anula processo de corrupção no qual figura como um dos acusados.
O Legislativo balcanizou o orçamento público, direcionando quase R$ 50 bilhões anuais para as preferências individuais dos parlamentares, sem qualquer avaliação de custo-benefício da aplicação do dinheiro. Um procedimento que não encontra paralelo no mundo, e que é porta aberta para a corrupção.
Em contraposição a este cenário negativo, temos o avanço de uma reforma tributária modernizante e capaz de aumentar a eficiência da economia. Este é um legado positivo. É preciso, contudo, evitar que a regulamentação da reforma seja vítima da primazia de interesses privados restritos, em detrimento do interesse coletivo, como usualmente tem acontecido.
Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'
Marcos Mendes