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Instituições fiscais consistentes
Consistência fiscal é mínimo indexado ao PIB per capita, e saúde e educação, ao gasto total
Por JC
Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP
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Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP
Na semana retrasada, apresentei a atualização para 2023 da informação do superávit primário estrutural do governo central produzida pela Instituição Fiscal Independente (IFI). Pioramos de um superávit de 0,2% do PIB, em 2022, para um déficit de 1,6% do PIB, em 2023.
Defendi o argumento de que, dado que o Congresso Nacional apoiou a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que explica a piora fiscal em 2023 sobre 2022, o Congresso deveria entregar mais carga tributária ao Executivo. Afirmei que o Congresso precisa ser solidário com o Executivo em sua agenda de ajuste fiscal por meio de elevação da carga tributária.
Continuo pensando dessa forma. Mas admito que há uma inconsistência no meu posicionamento, derivada das inconsistências das nossas instituições fiscais. Nesta coluna, portanto, abordo as inconsistências das instituições fiscais brasileiras e, assim, espero retificar minha coluna passada.
A primeira inconsistência refere-se aos mínimos constitucionais de gasto em educação e saúde. A Constituição Federal estabelece que 15% da receita corrente líquida (impostos e contribuições) deve ser gasta com saúde e 18% da receita líquida de impostos deve ser gasta com educação. A vinculação de duas rubricas tão importantes e pesadas do gasto público à receita inviabiliza um ajuste fiscal pela receita. O crescimento da receita gera crescimento automático do gasto.
Há diversos economistas que criticam a vinculação do gasto em saúde e educação. Há outros que avaliam que a vinculação foi importante. Não é objeto da coluna avaliar a pertinência das vinculações orçamentárias. Somente frisar que vinculação de rubricas do gasto não pode ser feita na receita. A receita é muito variável, enquanto o gasto é estável. Assim, a base empregada para vincular o gasto precisa ser estável. O correto é vincular o gasto com saúde e educação ao teto dos gastos definido pelo arcabouço fiscal aprovado no ano passado.
A segunda inconsistência é a regra de valorização do salário mínimo. Penso que a preocupação do presidente Lula de instituir regra de valorização do salário mínimo é para que haja algum mecanismo automático de compartilhamento dos ganhos de produtividade no País com o trabalhador de menor produtividade. Como no Brasil a renda é muito concentrada, os ganhos de produtividade são muito concentrados: poucas pessoas ficam com parcela muito expressiva do ganho. Assim, a indexação do salário mínimo garante o compartilhamento dos ganhos de produtividade com todos os brasileiros.
O problema é que o salário mínimo indexa os benefícios sociais, como, por exemplo, o piso do benefício previdenciário. A taxa de crescimento do gasto com seguridade é dada pela taxa de crescimento do número de beneficiários somada à taxa de crescimento do valor do benefício. Se o indexador do valor do benefício é o PIB, o gasto público cresce acima do PIB. O correto, ou consistente para a política pública, é que o salário mínimo seja vinculado a alguma medida de produtividade do trabalho, pode ser PIB per capita, ou renda média (ou mediana) da Pnad, ou qualquer medida que acompanhe a produtividade.
As inconsistências das instituições fiscais apontam que à frente teremos problemas. Esses problemas futuros são precificados pelos mercados e pioram hoje a percepção de risco do País.
O estabelecimento de instituições fiscais consistentes é um pré-requisito para que tenhamos um novo ciclo de crescimento econômico sustentável. Sem isso, mesmo que o Congresso entregue mais carga tributária ao Executivo, a crise fiscal estrutural não será superada.