Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado
A terrível origem da expressão "para inglês ver" —para descrever algo que existe, mas não é "para valer"— está na série de leis criadas no Brasil para fingir que estávamos acabando com a escravidão quando, na verdade, prolongava-se a desumana prática em território nacional.
A Lei Eusébio de Queiroz proibia o tráfico de escravizados, mas não sua exploração; a Lei do Ventre Livre, na verdade, mantinha cativos os filhos de escravizadas até os 21 anos de idade; a Lei dos Sexagenários prometia liberdade a quem atingisse o milagre de chegar aos 60 anos, sob as hediondas condições. Tudo para agradar aos anseios da poderosa Inglaterra, que passou a impor sanções aos países que não acabassem com a escravidão
Alegando motivos econômicos, influentes personalidades defenderam tais normas para adiar por décadas o fim da vergonhosa cadeia de trabalhos forçados. Entre os argumentos constava que, após a alforria, o escravizado passaria ao status de desempregado, o que seria pior para ele, por não garantir a moradia e a alimentação que recebiam.
Balela, óbvio. Se os patrões precisavam de mão de obra, que pagassem por ela. Os efeitos desse adiamento maculam o nosso passado e atrapalham o nosso presente.
Agora sofremos nova pressão para resolver um problema crônico. E a história mostra que é melhor agir sobre a raiz da questão do que fazer novos teatros.
No fim do ano passado, o Parlamento Europeu aprovou a proposta que impede a entrada na União Europeia de produtos que possam estar ligados a desmatamentos ocorridos a partir de dezembro de 2019.
A lista inicial de itens vigiados atinge diretamente as exportações brasileiras: carne bovina, soja, café, cacau, óleo de palma e madeira. Além disso, seus produtos, como papel, chocolates, móveis etc., também estão na mira.
Atenção ao detalhe: não importa se os desmatamentos em questão forem considerados legais ou ilegais em seus países de origem. A simples conexão dos produtos exportados com derrubadas de mata nativa já os torna vetados pela nova regra. Não adianta mudar a lei aqui, ou anistiar o desmatador. O bloqueio será o mesmo.
Em seu discurso de posse, no dia 4, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, anunciou a criação de uma Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Ordenamento Territorial. E garantiu que atuará para combater o desmatamento e promover uma economia forte baseada na conservação de nossa biodiversidade.
Mandar tal sinal para os europeus, justamente nesta mudança de governo, é essencial. Mas é preciso lembrar que hoje, com a abundância de informações dos meios digitais, contamos com sistemas de due dilligence (diligência prévia), muito mais profundos e velozes do que na época em que aprovar a Lei dos Sexagenários nos garantiu sobrevida nas boas graças da Coroa Britânica.
Hoje, os "ingleses" conseguem saber tudo o que quiserem, na velocidade do clique.
Para o investidor, torna-se essencial aumentar seu nível de exigência em relação às empresas nas quais investe. Com isso, é possível se proteger de surpresas com um bloqueio ou um entrave judicial da companhia na União Europeia. Quando se perde um mercado, ele costuma ser logo ocupado por um concorrente.
O início do ano é uma época boa para avaliar, com a divulgação dos balanços referentes e 2022, os riscos e as atitudes que as empresas estão tomando para se adequar à nova exigência global.
Não podemos confiar em discursos e ações de ambientalismo "para europeu ver" se quisermos manter bons resultados como das exportações do agronegócio, que registraram alta de 32% em 2022, chegando à cifra de US$ 159,09 bilhões.