Dom Juarez Albino Destro, rcj
A Campanha da Fraternidade, lançada na Quarta-feira de Cinzas, início do Tempo Quaresmal, é uma ação evangelizadora da Igreja do Brasil, que atinge – ou deveria atingir – todas as ações pastorais, movimentos e grupos eclesiais de paróquias e comunidades espalhadas neste imenso país. Com 60 anos de existência em âmbito nacional, a Campanha da Fraternidade já pode ser considerada “o modo brasileiro de celebrar a Quaresma”, sem a pretensão de substituir todo o significado desse tempo litúrgico, mas nos recordando da necessidade de “conversão” a partir de “pecados” que não mais enxergamos ou temos dificuldade para perceber. O tema remete-nos à Carta encíclica do papa Francisco, Fratelli Tutti (FT) – Sobre a Fraternidade e a Amizade Social, escrita há mais de três anos (03/10/2020).
Na encíclica, Francisco alerta para os perigos da cultura dos muros, para a alterofobia – o medo do outro -, para a Síndrome de Caim, com resposta idêntica a do personagem bíblico: “Acaso sou o responsável de meus irmãos?” (cf. Gn 4,1-9). Num mundo “fechado”, numa sociedade egoísta, na cultura do “eu”, na economia pessoal, percebe-se que “a melhor maneira de dominar e avançar sem entraves é semear o desânimo e despertar uma desconfiança constante", que produz “luta de interesses, que coloca todos contra todos, em que vencer se torna sinônimo de destruir” (FT 15-16).
Gera, também, uma “cultura vazia, fixada no imediato e sem um projeto comum”, vendo o outro como “objeto”, não como ser humano, tornando-nos "insensíveis a qualquer forma de desperdício, a começar pelo alimentar, que figura entre os mais deploráveis" (cf. FT 17-18, 24). A cultura vazia constrói muros, “no coração, na terra, para impedir o encontro com outras pessoas e culturas.
Quem levanta um muro, quem constrói um muro, acabará escravo dentro dos muros que construiu, sem horizontes, porque lhe falta a alteridade (cf. FT 27), alertou o papa Francisco. Trata-se de uma “Terceira Guerra Mundial em pedaços” (FT 25). "Empanturramo-nos de conexões e perdemos o gosto da fraternidade! A conexão digital não é suficiente para construir pontes, não é capaz de unir a humanidade" (FT 33, 43). "O individualismo é o vírus mais difícil de vencer" (FT 105).
Mas, com a pergunta "onde está Abel, seu irmão", Deus habilita-nos a criar uma cultura de superação de inimizades e a cuidar uns dos outros (cf. FT 57). É necessário "fazer ressurgir nossa vocação de cidadãos do próprio país e do mundo inteiro, construtores de um vínculo social. A dignidade está em se sentir alterado, incomodado, com o sofrimento humano. O amor autêntico, que ajuda a crescer, e as formas mais nobres de amizade habitam em corações que se deixam completar... É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos" (cf. FT 66, 68, 89, 127).
Que a Campanha da Fraternidade deste ano possa atingir o seu objetivo geral, de nos “despertar para o valor e a beleza da fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social, para que, em Jesus Cristo, a paz seja realidade entre todas as pessoas e povos”.
Bispo Auxiliar de Porto Alegre (RS)