Empresas poderão ganhar mais tempo para implementar as mudanças da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que preveem monitoramento e medidas sobre aspectos psicossociais no ambiente de trabalho - de estresse crônico, assédio à depressão. Entidades empresariais, entre elas a Fecomércio-RS, pediram mais prazo ao governo federal, e o Ministério do Trabalho deve adiar por 12 meses a implementação. O prazo inicial é 26 de maio. Se for oficializado, o adiamento terá de servir para resolver literalmente pendências.
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"Acende-se um sinal de alerta para todos que se preocupam com a saúde mental no ambiente de trabalho. A postergação da obrigatoriedade de tratar riscos psicossociais nas empresas pode parecer um alívio momentâneo para o setor produtivo, mas representa um retrocesso preocupante em termos de proteção ao trabalhador", adverte Magnor Müller, fundador da DGS Consultoria e consultor especializado em ESG (em inglês, environmental, social and governance - meio ambiente, social e governança).
Até porque, seja no ambiente interno, com as equipes de trabalho, ou nas comunidades, o tema só escala em grau de relevância.
"A NR-1 é um marco na forma como as empresas devem lidar com a saúde mental dos colaboradores", opina Müller, lembrando que será obrigatório identificar, avaliar e controlar os riscos psicossociais. Na prática, o consultor cia que situações como excesso de carga de trabalho, falta de reconhecimento, ambientes hostis e desequilíbrio entre vida profissional e pessoal passam a fazer parte da operação como outras rotinas mais atreladas ao negócio.
"As empresas deverão ter um planejamento estruturado para gerenciar os riscos. Organizações que ainda não iniciaram esse processo precisam agir", reforça o fundador da DGS, que espera que a aplicação da norma, revisada em meados de 2024, amplie a adoção de boas práticas de ESG. Müller lembra que a saúde mental entra no pilar "social" do ESG.
"Próximo nível de dificuldade na área psicossocial será o da saúde social", avisa Zortéa
CDL PORTO ALEGRE/DIVULGAÇÃO/JC
"Organizações comprometidas com ESG entendem que o bem-estar dos funcionários impacta diretamente a produtividade, a retenção de talentos e a reputação corporativa. A NR-1 reforça que não há ESG real sem uma cultura de cuidado com as pessoas", conecta o consultor. No caminho inverso, alta rotatividade e baixa produtividade são cada vez mais sendo associadas a estruturas que negligenciam a saúde mental.
O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), previsto pela NR-1, contemplará exatamente a prevenção e o monitoramento de indicadores e ações. No rol de medidas, deverão estar treinamentos para gestores e funcionários, campanhas de conscientização e criação de canais funcionais para escuta ativa e denúncias. Além disso, será obrigatório suporte psicológico, que pode ser feito por meio de serviços terceirizados:
"Ter um canal de apoio estruturado dentro da empresa faz toda a diferença. Quando os funcionários sabem que suas queixas são ouvidas e que há um esforço genuíno para solucionar problemas, cria-se um ambiente mais seguro e produtivo". Para o fundador da DGS, o efeito deve ser menos absenteísmo, mais produtividade e retenção de talentos.
"A norma contribui em um contexto que exige mais cuidado com a saúde mental das pessoas", avalia Fabiano Zortéa, coordenador de varejo do Sebrae-RS, que cada vez registra esse fator na cesta de ações do setor. "Quando a empresa foca nas medidas e prioridades, ela reduz riscos psicossociais que se manifestam com diversos transtornos", valoriza Zortéa, lembrando que pode ter até menor demanda trabalhista.
"O programa ajuda a diagnosticar situações preventivamente e que, muitas vezes, em meio à rotina, não são identificadas", avalia o coordenador de varejo. "Num mundo com trabalho híbrido, isso se torna cada vez mais necessário.
O especialista, que acompanha a NRF Retail's Big Show, um dos maiores eventos globais sobre inovação em varejo, e outro mega evento sobre tendências, o SXSW, os dois nos Estados Unidos, cita outro "próximo nível de dificuldade no campo psicossocial será o da saúde social".
"As organizações vão precisar se preocupar em prover ambientes em que as pessoas queiram ter contatos físicos, principalmente para novas gerações", antevê Zortéa.
"Precisamos sair do negacionismo", provoca Angelita Garcia
"É uma das mudanças mais impactantes na gestão de saúde e segurança no trabalho dos últimos anos", afirma Angelita Garcia, consultora em recursos humanos e com larga experiência de assessoria no mundo supermercadista. Ela atuou por muito tempo na Associação Gaúcha de Supermercados (Agas).
"Setor supermercadista está bastante atrasado na adequação à norma", alerta Angelita
ANGELITA GARCIA/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Segundo Angelita, o que torna a mudança mais incisiva é a exigência do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e do PGR. "Estes pontos afetam diretamente a cultura organizacional das empresas de varejo como um todo. O setor supermercadista está bastante atrasado na adequação e nos preparos prévios à norma", adverte a especialista.
Para a especialista, a maioria dos supermercados trata saúde e segurança como 'obrigação documental' e não como pilar estratégico para produtividade, clima e redução de turnover.
"Cuidados com a saúde mental e o bem estar do trabalhador têm sido levantados há bastante tempo. Precisamos sair do 'negacionismo' e entender que a empresa com cultura e gestão humanizada se faz necessário agora", provoca Angelita.
A especialista sugere algumas ações: diagnóstico rápido de conformidade com a NR-1 (cruzando com outros riscos), estruturar ou atualizar o PGR, com foco realista no ambiente supermercadista, e integrar ações de segurança psicológica e mental no PGR e alinhar à NR-17 (ergonomia) e à nova mentalidade do trabalho.
"Se o inventário de riscos realizado pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipaa) mostra que há sobrecarga ergonômica ou ruídos, deve-se promover ações, treinamentos ou medidas preventivas", sugere Angelita.
- Compreensão da norma: é fundamental que alta gestão, recursos humanos e segurança do trabalho e psicólogos conheçam a norma.
- Formação de equipe de trabalho: envolver funcionários que possam revelar potenciais riscos, às vezes, desconhecidos da liderança. Consultoria externa pode ajudar.
- Mapeamento dos riscos psicossociais: diálogo entre as partes é essencial. Fatores mais comuns: assédio moral, sobrecarga de trabalho, pressão por metas e falta de suporte organizacional, ambiente tóxico e liderança descomprometida.
- Diagnóstico organizacional: entrevistas, questionários e grupos focais.
- Elaboração do inventário de riscos: impactos na saúde dos trabalhadores por setores.
- Desenvolvimento de plano de ação: medidas preventivas para cada possível risco, como combate ao assédio moral e sexual, promoção de equilíbrio entre vida profissional e pessoal, qualificação de lideranças e escuta ativa de líderes.
- Implementação de medidas: aplicar ações planejadas e comunicar todos da organização sobre as mudanças, com motivos e objetivos. Capacitar os indivíduos é fundamental.
- Monitoramento e avaliação contínua: quantificar e monitorar indicadores antes e depois da implementação das diretrizes, observar turnover, absenteísmo, afastamentos e acidentes e estabelecer periodicidade dos indicadores observados.
- Canais de comunicação e suporte psicológico: garantir anonimato e confidencialidade.
- Capacitação contínua: liderança e colaboradores devem ter capacitação contínua.
- Documentação e conformidade: registros ações, treinamentos e diagnósticos devido à fiscalização e auditoria.
- Engajamento da alta gestão: não existe melhoria no ambiente sem o envolvimento da alta gestão, que deve dar início ao mapeamento e planejamento da mitigação de riscos psicossociais.
Fonte: Magno Müller, DGS Consultoria e consultor especializado em ESG