"Desafio." Sem combinar previamente, dirigentes do varejo gaúcho usaram a palavra para definir 2025, que já avança para o quarto mês, com duas variáveis para administrar: juros e inflação aquecidos. O custo de capital é o que mais preocupa, principalmente para planos de expansão. Durante o evento do Marcas de Quem Decide, as lideranças apontam que novos recursos, como consignado, 13o salário antecipado de aposentados e pensionistas e devolução do Imposto de Renda (IR) podem ajudar no fluxo na ponta do consumo.
"O varejo está indo bem, mas não seria assim até o fim do ano", preveniu Luiz Carlos Bohn, presidente da Fecomércio-RS, feito um banho de água fria. "Os juros devem ir a 15% ao ano até junho. No último trimestre do ano, vamos sentir a estagnação, com queda do mercado", lista Bohn, unindo efeitos do custo financeiro. "O juro começa a ficar alto (porque não é imediato o impacto das elevações da Selic), a pessoa não compra mais a prazo, vendas caem e pode ter demissões ou nãos e admite mais. Infelizmente, é o que vai acontecer no fim do ano", reforça o presidente da maior federação de comércio e serviços.
"Há uma certa apreensão. O ano começou com boas perspectivas, mas em março estamos entendo uma retração, efeito de conjuntura", afirma Irio Piva, presidente da CDL Porto Alegre. "O juro alto é o grande problema e inibidor do consumo por duas razões: custo do dinheiro e quem tem recursos deixa de gastar em compras para aplicar e ter melhor remuneração", analisa Piva, alertando que, com as taxas altas e ainda com mais aumento em frente, a inadimplência deve se manter em patamar elevado.
"Teremos ainda uma piora dos indicadores pela frente, tanto no consumo como nos índices de atrasos", acena o presidente da CDL-POA. "O varejista é otimista por natureza, mas estamos vendo um ano desafiador." Para Bohn, a conjuntura é formada pela "conta" dos gastos elevados do governo federal. "O País não suporta. O novo consignado é mais um pouco desse gasto. A Caixa (Econômica Federal) vai ter de pagar muita coisa", preocupa-se, citando que uma boa notícia é a liberação e recursos para compra de imóveis afetados pelas enchentes.
"O varejista é otimista por natureza, mas estamos vendo um ano desafiador", diz Piva
Ivo Gonçalves/Especial/JC
"Para o varejo, 2025 é um ano muito desafiador, muito desafiador com esses juros altos, que é muito inibidor do consumo", redobrou Arcione Piva, presidente do SindilojasPOA. Com o custo mais elevado do crédito, limita-se a capacidade de parcelamento pelo lojistas, exemplifica Piva. "Segundo semestre nos reserva mais dificuldade, mas temos a possibilidade de antecipação do 13 da previdência e outros incentivos que ajudam amenizar o quadro", pondera o presidente do SindilojasPOA.
"Mas, no conjunto, tudo indica que o segundo semestre será ainda mais desafiador que o primeiro. A menos que aconteça algo, mas acho difícil." O prognóstico bate à porta do verão justamente nos meses mais promissores (Black Friday e Natal). "Estamos cautelosos e é importante buscar saídas para amenizar os impactos especialmente dos juros. Este é o nosso grande desafio."
Minuto Varejo - Marcas de quem decide - entidades - Vilson Noer - presidente da Federação AGV - Porto Alegre
PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
Vilson Noer, presidente da Federação AGV, aponta que as liberações de recursos pelo governo federal ofertam recursos que devem desaguar nas compras. "À medida que libera renda, parte cai no consumo. É assim que o varejo está andando", combina Noer, acrescentando que esse ambiente, com adição da conjuntura e concorrência das plataformas digitais, exige mais dedicação e eficiência no ponto físico, como loja atrativa e bom atendimento.
"Os juros afetam crescimento e geram o que é o grande pavor dos lojistas: mais inadimplência", pontua o presidente da Federação AGV. "O varejo cresce um pouco acima da inflação", projeta Noer.
"A tendência é de a inadimplência subir mais no segundo semestre, que é quando mais se vende. A sugestão é que as empresas façam uma boa avaliação da concessão de crédito", orienta Marcos Carbone, vice-presidente da Federação Varejista do Rio Grande do Sul. Novos recursos entrando, por meio de consignados e eventualmente das pensões, que foram antecipadas em anos recentes, podem faltar no fim do ano, lembra Carbone: "O recurso entra no caixa agora, mas no fim do ano vai fazer falta." O vice-presidente da Federação Varejista lembra que a "escassez" foi verificada no fim de 2024, devido a antecipações de receitas para quem foi atingido pelas cheias no Estado.
Na segunda economia gaúcha, a preocupação se repete. O presidente da Câmara de Comércio e Indústria (CIC) de Caxias do Sul, Celestino Oscar Loro, entoar na onda do desafio. "Mais um ano desafiador, depois do que tivemos em 2024, com eventos climáticos. Agora, juros retraem consumo e investimentos, que são importantes em nossa região. São uma parte sensível", observa Loro.
"No primeiro semestre, as empresas estão mais encarteiradas (com caixa), mas o segundo semestre vai ser mais desafiador". O presidente da CIC cita que a dicotomia, com Banco Central apertando a política monetária de um lado e, de outro, o governo fazendo esforço para liberar dinheiro. Está um pouco difícil de entender esses sinais trocados."
"Juros desestimulam investimentos e tira renda do consumidor. São momentos difíceis", admite Antônio Cesa Longo, presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), aumentando a cobrança sobre maior desoneração da cesta básica pelo governo gaúcho. A isenção dos itens da cesta está prevista na reforma tributária, para 2026, mas supermercadistas defendem a antecipação da medida. O dirigente avalia que oi governador Eduardo Leite pode mexer na alíquota de alguns alimentos ainda tributados. "Cabe ao governo buscar equilíbrio fiscal, mas estamos em um "condomínio". A conta é paga por todos", ilustrou Longo. O presidente da Agas avalia que a conjuntura não deve frear abertura de lojas: "Só cresce quem abre unidades. Vai continuar (expansão)."