Os varejistas deveriam estar focando em campanhas de Black Friday e Natal para melhorar o fechamento do ano. Deveriam, mas as bets ocupam espaço importante na atenção do setor e exigindo mobilização.
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O presidente do Conselho de Administração do SPC Brasil, Roque Pellizzaro Júnior, alertou que a captação de recursos, de consignados a empréstimos convencionais, para cobrir apostas estava alavancando a inadimplência. Mais um aspecto negativo, já que as taxas de atrasos se mantêm em patamar alto, mesmo sem as apostas.
Agora ganham mais um complicador rindo da "epidemia" das bets, com efeitos para a economia, a saúde e as relações sociais. Estes fatores foram levados por diferentes entidades de comércio e serviços ao governo federal, com dados que tanto rastreiam a movimentação financeira como os danos e, claramente, os problemas que as pessoas vivenciam.
A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) aponta que mais de 40 milhões de consumidores fazendo algum tipo de aposta ou jogo em 2024. As esportivas são as as que mais atraem os adeptos.
Em encontro com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, em setembro passado, 16 entidades nacionais de setores que reúnem 6,7 milhões de empregos, faturamento de R$ 1,6 trilhão e 460,8 mil lojas, listaram ações para conter a "epidemia", entre controle e regras mais rígidas para atuarem, tributação, medidas de educação e proibição de propaganda das bets.
"Retira poder de consumo das famílias", associa Pioner, citando os gastos de beneficiários do Bolsa Família
PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
O presidente da Federação Varejista do RS, Ivonei Pioner, frisou que o segmento é contra a forma como as empresas operam, devido aos reflexos negativos para o setor. "Retira poder de consumo das famílias", associa Pioner, citando levantamento do Banco Central que indicou gastos de R$ 20,8 bilhões com jogos e apostas on-line em um mês.
Beneficiários do Bolsa Família deslocaram R$ 3 bilhões para a despesa. A adesão aos jogos tem perfis diferentes, atraindo mais jovens, entre 20 e 30 anos, que gastam R$ 100,00 por mês. Adultos com mais idade chegam a gastar mais de R$ 3 mil.
"É urgente a interferência do governo para frear a proliferação dessas empresas e a facilidade em apostar. Precisamos de regras claras, dentro da legislação vigente, para que não tenhamos uma grande crise nas finanças e na saúde mental das pessoas", diz o presidente da federação.
No prazo de registro das empresas, que foi até começo de outubro, 93 se apresentaram no Ministério da Fazenda entre as mais de 600 que estavam em funcionamento, lembra a confederação.
"O impacto negativo já foi muito grande", observa a CNDL, em exame sobre o efeito da medida. Também seriam retirados do ar sites de apostas que não solicitaram registro. Para a federação, uma das grandes preocupações é com as pessoas de menor poder aquisitivo, que além de perderem renda, correm o risco de cair ou aumentar a inadimplência.
"Elas estão mais sujeitas a acreditarem em ganhos rápidos e expressivos, porém, estão mais propensas a prejudicar a família, deixando de utilizar o dinheiro para comprar alimentos, roupas, entre outros artigos, e contraindo mais dívidas", pontua Pioner: "Como federação, precisamos alertar para os perigos da normalização dessas práticas que incentivam o consumo impulsivo".
Em 1º de janeiro de 2025, entra em vigor a regulamentação das apostas. Só poderão atuar empresas enquadrarem nas leis 13.756/2018 e 14.790/2023 e nas portarias criadas pelo Ministério da Fazenda. As operadoras têm de pagar outorga de R$ 30 milhões para começar a funcionar.
A Advocacia Geral da União (AGU) demitiu documento citando que a "Lei das Bets" busca contornar a falta de regulamentação e os problemas da legislação de 2018 que autorizou as apostas por quota fixa on-line no Brasil. Mas a AGU fez alerta: caso as medidas protetivas, previstas na 14.790/2023 e portarias não tenham êxito, a inconstitucionalidade da Lei 13.756/2018 pode ser considerada.
Os impactos das bets vão além do bolso, o que virou um item a mais no alerta e também abordagem que as entidades varejistas têm feito. A dependência das pessoas às apostas, que é alimentada por gastos fora do orçamento e dificuldades emocionais de colocar os limites, aparece em pesquisas que mapeiam a dimensão que as bets vêm ocupando na vida dos brasileiros. O tema também foi pautado em um dos eventos mais tradicionais do comércio, o Tá na Mesa, na Federasul.
O psiquiatria e especialista em dependência química, Carlos Salgado, um dos autores do livro Dependências comportamentais - vivendo em excesso, comparou a relação com a jogatina on-line ao uso de drogas.
"Pessoas suscetíveis experimentam, descobrem uma gratificação ou prazer peculiar e repetem", descreve Salgado. "As consequências do jogo ocorrem quando o sujeito é um "capitão" da família e incisivo no jogo e leva a estrutura familiar à bancarrota em função das apostas eletrônicas", ressalta o psiquiatra.
Salgado também preveniu que há outro efeito, como a sobrecarga do sistema público de saúde, devido à demanda gerada pela dependência. "Jogar é uma questão de saúde com implicações para aquela parcela de jogadores que vão envolver questões financeiras", destaca.
O presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa, apontou que é preciso proteger a renda das famílias e a qualidade de vida das pessoas. "O vício em jogos tem sido um problema crescente no Brasil. É fundamental impor limites para que essa questão não se torne um problema de saúde pública", reforçou Costa.
Vilson Noer, da CDL Porto Alegre e presidente a AGV Federação, ressaltou que o tema tem de ser abordado nas duas frentes. A econômica já está mais disseminada, mas as consequências sociais e comportamentais merecem cuidado. "Preocupam essas duas consequências que derivam das apostas. Por isso o controle e as regras precisam ser bem claras, na direção de uma regulamentação mais severa", completa o dirigente.
- 66% já sentiram que estavam apostando mais do que deveriam
- 67% conhecem pessoas que estão viciadas em apostas esportivas
- 65% já se sentiram ansiosos em excesso por conta das apostas esportivas
- 30% já tiveram prejuízos nas relações pessoais por conta do vício
- 65% já se sentiram ansiosos em excesso devido às apostas (relatos é mais frequente entre mulheres, jovens de 18 a 29 anos, classes mais baixas e apostadores com maior frequência)
- 42% sentem que as apostas são uma forma de escapar de problemas ou emoções negativas
Fonte: Locomotiva e Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV)
Regular a publicidade:
Apostas dominam a publicidade nacional na mídia e nas redes sociais, chegando a jovens e crianças
80% dos brasileiros acreditam que há excesso de propaganda de apostas
Limitar a influência das propagandas e dos anúncios de aplicativos e sites de apostas
68% das pessoas que fazem os jogos aponta influência dos anúncios nos canais digitais
Ações contra o risco de endividamento:
Criar alertas e instrumentos de contenção financeira para evitar o endividamento
Campanhas de conscientização que alcancem grupos que são mais afetados
Regras que impeçam o uso de cartões de crédito, de empréstimos ou outra forma de financiamento para bancar as apostas
Limitar o número de apostas por pessoa
Combater o vício e os comportamentos destrutivos:
Tratar o vício como uma questão de saúde pública, como tabagismo e alcoolismo
Fazer alertas claros na mídia e nas plataformas de apostas sobre os riscos de dependência
Fomentar campanhas que abordem os impactos negativos do vício nas relações interpessoais (perda de confiança, isolamento social e problemas familiares) e promovam diálogo e ambientes seguros
Fonte: Locomotiva e Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV)