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Patrícia Comunello

Patrícia Comunello

Publicada em 08 de Setembro de 2024 às 13:15

Livraria símbolo da superação pós-cheias reabre no Centro Histórico de Porto Alegre

Taverna reabriu, após ser arrasada pela enchente de maio, com mais que o dobro do fluxo

Taverna reabriu, após ser arrasada pela enchente de maio, com mais que o dobro do fluxo

PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
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Um dos símbolos da superação após a enchente de maio no Rio Grande do Sul está de volta ao varejo de livros e à cena cultural do Centro Histórico de Porto Alegre. A reabertura da Livraria Taverna, na Casa de Cultura Mario Quintana, foi em clima de festa, entre os donos, funcionários da operação e, claro, os clientes-leitores.   
Um dos símbolos da superação após a enchente de maio no Rio Grande do Sul está de volta ao varejo de livros e à cena cultural do Centro Histórico de Porto Alegre. A reabertura da Livraria Taverna, na Casa de Cultura Mario Quintana, foi em clima de festa, entre os donos, funcionários da operação e, claro, os clientes-leitores.   
"A coisa mais importante nesse espaço de leitura e de encontro de pessoas, que querem e gostam de livros, é lembrar sempre que, por mais que a enchente tenha destruído casas, prédios e ruas, vivemos mesmo do que sentimos, do que nos emociona", atenta o professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Caleb Faria Alves:
"A livraria é um imenso depósito de sentimentos. A gente vem aqui e se alimenta deles e troca com as pessoas depois. Por isso, ela tem de abrir, tem de estar aqui", associa Caleb: "Tô muto feliz por ver ela aberta de novo. Tô numa alegria sem tamanho". 
O movimento na reestreia nesse sábado (7) elevou a dimensão descrita pelo professor da Ufrgs. Um dos sócios da Taverna, Ederson Lopes, o Ed, avalia que o fluxo foi mais que o dobro de um sábado normal, leia-se, antes das cheias de maio. A calçada em frente estava movimentada também por duas feiras - a do Tô na Rua, de pequenos negócios, entre brechós, e marcas autorais, e uma de queijos artesanais, promovida pelo Sebrae.    
A livraria é de Lopes e André Günther, casados na vida pessoal. A operação foi aberta em 2020 no complexo cultural. Mas o negócio começou dez anos antes com venda digital, que migrou depois ao mundo físico, com a primeira loja na vizinhança do Centro.
"Livro tem tudo a ver com o que vivemos aqui", diz Karine, sobre A Queda do Céu, primeiro vendido | PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
"Livro tem tudo a ver com o que vivemos aqui", diz Karine, sobre A Queda do Céu, primeiro vendido PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC

Primeiro livro vendido pela Livraria Taverna após quatro meses

O primeiro livro a ser vendido na manhã desse sábado (7) elevou ainda mais o significado do momento, em diversos sentidos. A Queda do Céu, do antropólogo francês Bruce Albert e do xamã yanomami Davi Kopenawa, com relatos sobre os povos, as ameaças e a destruição da Amazônia, abriu o registro das vendas, paradas por quatro meses. 
"O livro tem tudo a ver com o que vivemos aqui", relaciona Karine Capiotti. Sobre o retorno do público, Karine resume: "Lindo, lindo, lindo, lindo, lindo. A gente está muito feliz".
A bióloga Mariane Teixeira comprou três livros no reencontro com o espaço: "Indicações da maravilhosa Karine". "Não conseguia passar aqui em frente (quando o ponto estava fechado) sem ficar emocionada", relata Mariane.
"Era um cenário de guerra", descreve Günther, quando entraram pela primeira vez no local, em meados de maio, com água ainda na cintura. Estantes tinham caído, e livros boiavam. "Muitos móveis que não eram fixos cederam". Boa parte do acervo foi salva.
Mariane: "Não conseguia passar aqui em frente (quando estava fechado) sem ficar emocionada" | PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
Mariane: "Não conseguia passar aqui em frente (quando estava fechado) sem ficar emocionada" PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
A inundação não só impactou fisicamente a operação como trouxe mais dificuldade. "Antes (cheia) já estava difícil o mercado editorial. Trabalhar com cultura não é fácil. A gente está sempre lutando para se manter". 
"Foi uma luta conseguir reconstruir. Foi quase um milagre", define Günther. "Foi uma corrente de solidariedade. Muitas pessoas querendo ajudar, outras livrarias e editoras. Escritores vendendo livro e revertendo o valor da venda para a Taverna. Foi no Brasil inteiro", recorda ele. "Graças a isso que a gente conseguiu reconstruir tudo e do zero."
Depois de toda a mobilização, uma percepção mudou radicalmente. "Ela (livraria) não é mais só nossa. Ela só existe agora porque muitas pessoas acreditaram nesse trabalho", reconhece a dupla de sócios: "Se fosse só por nós, a gente teria fechado e ido embora".
O motivo é bem prático. Os dois não teriam como cobrir a despesa de prejuízos e remontagem da Taverna. A conta do mobiliário novo é de mais de R$ 100 mil, além de gastos com o acervo perdido, que eles não chegaram a calcular.
"A livraria não é mais só nossa. Só existe agora porque muitas pessoas acreditaram" | PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
"A livraria não é mais só nossa. Só existe agora porque muitas pessoas acreditaram" PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
"Isso é a parte dos bens materiais, mas perdemos quatro meses de faturamento com a loja fechada", anota Günther. A conta estimada de custos, entre perdas (material perdido e receita) e reabertura, é de R$ 300 mil.
"Mas, de novo: a livraria só está aberta porque as pessoas fizeram isso acontecer, que queriam que a Taverna continuasse a existir", reforça ele.
"A livraria voltou mais potente", conclui Ed: "Foi muita superação, muita força para reconstruir. Foi um trabalho coletivo". Lopes avisa que, no ressurgimento, a Taverna voltou "mais bonita do que estava antes".
"É emocionante ver as pessoas escolhendo leituras, conversando sobre os livros e se encontrando com amigos. Isso acontece muito aqui", valoriza ele.  
Novos móveis foram feitos seguindo alguns cuidados, como mobilidade na parte inferior das estantes | PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
Novos móveis foram feitos seguindo alguns cuidados, como mobilidade na parte inferior das estantes PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
No retorno da casa, alguns cuidados preventivos vieram com o novo mobiliário. As partes inferiores das estantes de livros, que ficam em contato com o chão, são móveis. Foi um pedido dos donos ao arquiteto Daniel Bolson, que tinha feito o projeto de quando a livraria abriu e adaptou o desenho do mobiliário ao pós-enchente, para que os novos módulos possam ser removidos, caso seja necessário.
"O drama foi muito grande. Perdemos todos os móveis de madeira", explica Lopes, que sabe que não adianta apenas ter o artifício dentro do ponto para contornar eventuais futuros riscos.
"A expectativa é que se construa políticas de prevenção contra as cheias para que a gente não precise utilizar esse recurso para ter menos prejuízo", espera o livreiro. "Precisamos menos descaso do poder público com a contenção das enchentes", cobra o livreiro.
"Ainda bem que a gente tá aqui hoje, né", disse a pequena Violeta, diante dos pais Rachel e Caleb       | PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
"Ainda bem que a gente tá aqui hoje, né", disse a pequena Violeta, diante dos pais Rachel e Caleb PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
Raquel Weiss, professora de Sociologia da Ufrgs, casada com Caleb e mãe de Violeta, também escolheu um livro marcante para o reencontro na livraria. "Vou levar Um rio, Um pássaro, de Ailton Krenak, sobre a Amazônia. Mas não só por isso.
"A gente veio aqui um dia antes da Taverna fechar por conta da enchente. Já chovia forte naquele dia. Comprei outro livro do Krenak (Ideias para adiar o fim do mundo) e aconteceu tudo o que vimos", remonta Raquel, sobre a sequência: "A passagem por aqui foi muito simbólica. Depois, vimos tudo debaixo da água. Choramos muito, muito".
Ao pisar de novo na Taverna, agora sem água e com livros transbordando nas estantes, a professora voltou a se emocionar: "Chorei ao voltar aqui. É a vida renascendo".
A pequena Violeta emendou singelamente a frase de Raquel: "Ainda bem que a gente tá aqui hoje, né". 

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