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Patrícia Comunello

Patrícia Comunello

Publicada em 23 de Junho de 2024 às 17:03

"MPEs precisam de ajuda a fundo perdido", alerta superintendente do Sebrae

"Viramos pedintes", diz Berti, sobre a busca de recursos para bancar a ajuda às empresas

"Viramos pedintes", diz Berti, sobre a busca de recursos para bancar a ajuda às empresas

TÂNIA MEINERZ/JC
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Dois alertas que podem ajudar na hora de alcançar o que Microempreendedores Individuais (MEIs) e micro e pequenas empresas (MPEs) realmente necessitam para dar a volta por cima, ou melhor, sobreviver, após a tragédia das inundações.
Dois alertas que podem ajudar na hora de alcançar o que Microempreendedores Individuais (MEIs) e micro e pequenas empresas (MPEs) realmente necessitam para dar a volta por cima, ou melhor, sobreviver, após a tragédia das inundações.
Primeiro: "MPEs precisam de ajuda a fundo perdido", adverte o diretor superintendente do Sebrae-RS, Ariel Berti. Segundo, emenda Berti: "A grande questão é: não pode deixar o cara sem faturar”, arremata Berti, que detalha, na extensa entrevista a seguir, como foi a montagem do programa Sebraetec Supera, que está repassando "a fundo perdido" recursos para manter negócios respirando.
Quase 10 mil pedidos já chegaram ao órgão. A meta inicial de alcançar 11,5 mil negócios deve fácil chegar a 20 mil. Faltaria ajudar 140 mil empresas, considerando levantamento que apontou 160 mil MPEs impactadas pelo evento climático.
"Não temos mais de onde tirar recursos", diz ele. Mesmo assim, Berti e equipes não desistem e buscam dinheiro: "Viramos literalmente pedintes". Qual é a lição do engajamento inédito do órgão: "Sairá um Sebrae muito mais consciente do seu papel social", aposta Berti.
Minuto Varejo - Como foram aqueles primeiros dias em que a água subia e afetava os negócios e isso batia à porta do Sebrae-RS?
Ariel Berti - A catástrofe foi afetando em ondas do Estado e isso chegou assim para a gente. Enquanto tinha a situação terrível no Vale do Taquari e na Serra, na Região Metropolitana chega um pouco depois. Fomos percebendo aos poucos. O Sul foi a última região e segue. Nas duas primeiras semanas, o mundo do Rio Grande do Sul parou. Tivemos cinco unidades afetadas: sede no Centro Histórico e CD na Sertório, em Porto Alegre, Lajeado (toda alagada, vamos mudar de local), São Leopoldo (alagada) e Canoas ficou ilhada. Tivemos 21 colaboradores perderam suas casas. Nossos sistemas voltaram em uma semana.
MV - Quais são as origens do Supera?
Berti - Dia 3 de maio começamos uma pesquisa com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado para mapear os impactos e entender o impacto nos pequenos e micro negócios. A estimativa inicial era de que 600 mil MPEs tinham sido afetadas direta ou indiretamente. Hoje a informação mais precisa é de que 160 mim MPEs estão em áreas que foram alagadas. Cruzamos os CNPJs com as regiões inundadas, com efeito direto.
MV - O que isto significa?
Berti - Uma empresa podia ter sido atingida pela água ou estar em uma área alagada, mas no terceiro piso, o que impedia o empreendedor de trabalhar, por não acessar as instalações. Outra informação importante é que 75% das micro e pequenas empresas declararam que a perda material ia até R$ 50 mil, ou seja, não era um valor muito alto. A partir destes dados, começamos a montar o plano de recuperação.
MV - O que as empresas mais precisavam?
Berti - Desde o começo, entendemos que tínhamos de ser solidários com esses empreendedores. Continuamos operando com o que é a nossa rotina, desde orientação sobre como acessar crédito e dar consultoria. Criamos uma página SOS Rio Grande com todas as informações. Mas a gente tinha de ter algo mais concreto, que foi o que deu origem ao Sebrae Supera, que tem tem consultoria presencial, para identificar as perdas e tentar elaborar o plano de retomada. O foco é saber o que é prioridade para o empreendedor: fluxo de caixa, reposição ou conserto de equipamentos? Com isso, vem o apoio financeiro do Sebrae. Era o mais emergencial. O dono do negócio faz as aquisições e recebe reembolso até o teto: R$ 3 mil para MEI, R$ 10 mil para microempresa e R$ 15 mil para pequena empresa.
MV - Montar o Supera foi fácil porque vocês já conhecem as MPEs ou não é bem assim?
Berti - O que os ajudou foi a experiência no Vale do Taquari nas duas cheias de 2023, algo infelizmente triste. Atendemos 600 empresas na região e funcionou muito bem. Pelos dados, 99% das empresas que tiveram consultoria e apoio financeiro permaneceram ativas até agora, antes da nova inundação. Algumas estão sofrendo a terceira enchente e decidiram que vão mudar fisicamente de localização. O próprio Sebrae vai mudar de sede em Lajeado, porque foi atingido três vezes. Não vamos mudar da cidade, mas vamos para outro endereço.
MV - Por que esta ajuda deu tão certo?
Berti - Pela nossa experiência é o que realmente funciona. O que as empresas precisam agora não é tomar empréstimo. Muitas não têm fluxo de caixa, pois vivem o mês para para a conta daquele mês. Além disso, muitos empreendedores tomaram crédito na pandemia de Covid-19 para se manter e ainda estão pagando o financiamento. Tomar novos créditos inviabiliza o negócio no futuro. As MPEs precisam de ajuda a fundo perdido mesmo, que é o que nos propomos a fazer.
MV - Como estava a cabeça do empreendedor afetado pelas cheias?
Berti - Temos relatos de empresários que simplesmente disseram: "Não vou abrir mais, perdi todos os equipamentos e vou ter de gastar todo o dinheiro que tenho para recuperar meu negócio". Outros, mesmo muito impactados, querem retomar e precisam, pois é o ganha-pão, no caso dos MEIs. O Fabiano Zortéa (coordenador de varejo do Sebrae-RS e fonte da coluna Minuto Varejo) pegou um Uber e viu que era um motorista estreante. O motorista novato contou, então, que estava fazendo aplicativo porque tinha perdido tudo na enchente em Canoas. "Tive de usar o carro no app para juntar dinheiro e retomar o meu negócio". Esse é o cara que não quer desistir!
MV - Quem não quer desistir precisa do quê?
Berti - Primeiro, ele precisa de ajuda, sentar, baixar a poeira, olhar o negócio e ver o que precisa fazer agora. O que é urgente para voltar a faturar. Com isso, vai ter recursos para reconstruir a empresa. Por isso, o nosso apoio é emergencial. Com giro de caixa, ele consegue recuperar a operação. A grande questão é não: não pode deixar o cara sem faturar. Temos usado a seguinte analogia, como se tivesse na pandemia. Tem de colocar o doente no respirador. Tem de ter oxigênio para poder ter condição lá na frente de receber atendimento melhor. Agora é ter oxigênio.
MV - O oxigênio está mantendo o empreendedor (doente) vivo?
Berti - Nosso programa começou em 27 de maio e vai durar 90 dias. Queremos atingir o máximo de empresas em 90 dias. Vamos fechar esta página em 27 de agosto e vamos partir para a próxima: ajudar a melhorar o negócio. Vamos tratar quem saiu da UTI, é assim que estamos encarando esses empreendedores.
MV - O que eles vão precisar e quanto o que tem sido ofertado (como Pronampe, linha federal) realmente dá conta disso?
Berti - Com toda a franqueza: não é crédito que eles precisam. Se vier apoio financeiro, tem de ser isso mesmo (modelo Supera). Não é fazer dívida, mas ajudar os caras a se reerguerem. E não é "a fundo perdido", porque não vai se perder dinheiro. É investir para a empresa retomar o desenvolvimento econômico do Estado. Se o governo estadual colocasse R$ 200 milhões nas MPEs, elas vão gerar negócios e depois impostos. O valor retorna. Essas linhas de programas de crédito não resolvem o problema e ainda criam endividamento.
MV - Quem tem de mudar esta lógica, até porque é o que se ouve de entidades e dos "caras"?
Berti - O Sebrae agiu e foi atrás de parcerias. O Sicredi está entrando com cerca de R$ 10 milhões de várias cooperativas, sendo R$ 4,6 milhões só para o Vale do Rio Pardo, e tudo a fundo perdido. Conseguimos com a Secretaria de Cultura do Estado outros R$ 17 milhões. O trade da Cultura, que foi impactado pela pandemia, está sofrendo de novo agora. Estamos encaminhando projetos para o Fundo de Sustentabilidade da Caixa Econômica Federal, e não é empréstimo. Era edital aberto e apresentamos projeto. São mais R$ 18 milhões.
MV - Isto tudo está disponível e basta identificar e buscar?
Berti - Estamos buscando instituições que entendem este viés social. O Sicredi tem um grande trabalho com a comunidade local, por isso foi muito receptivo e já tinha trabalhado com a gente no Vale do Taquari. Na Caixa, é um fundo. Os bancos em geral precisam dar retorno para o acionista. O dinheiro deles tem um custo.
MV - Grandes empresários e corporações anunciaram a criação de fundos para ajudar o Estado. Elas poderiam ajudar o Sebrae?
Berti - Estamos olhando para tudo isso. Estamos tentando negociar com a Fundação Banco do Brasil que tem linha para projetos. Já conversamos com a Gerdau, a Engie (energia) e Aurora (alimentos). Estamos batendo à porta de todo mundo. Viramos literalmente pedintes.
MV - Quanto o Sebrae está aportando?
Berti - Foi realocado todo o orçamento para destinar R$ 50 milhões ao Supera. Colocamos um prazo (90 dias) e todos os projetos, como missões internacionais e apoio a feiras e eventos, foram parados, pois neste período deixam de ter sentido e conseguimos ajudar mais empresas. Renegociamos contratos com parceiros, adiando desembolsos, e aplicando recursos no Supera.
MV - Qual é a meta de empresas a serem atingidas e quanto isso vai ser literalmente superado?
Berti - A meta inicial era 11,5 mil MPEs. Com mais recursos internos e de parceiros e recursos que estamos pedindo ao Sebrae Nacional, vamos chegar a R$ 160 milhões para a fase emergencial. Este caixa consegue atender cerca de 20 mil empresas, ou 12,5% das que foram impactadas pelas cheias (160 mil). É pouco, né?
MV - Sim. Quem vai ajudar as 140 mil?
Berti - Estamos esperando para ver também. Não temos mais de onde tirar recursos.
MV - Se tiver mais dinheiro, vocês conseguem atender mais empresas ou precisam ter parceiros?
Berti - Temos de ser humildes. Não temos condição de fazer tudo. Precisamos de parceiros e ensinamos como fazer. Também podemos fazer juntos. É hora de a gente se unir.
MV - Salvar 20 mil é factível, mas o problema é o impacto de não salvar as outras 140 mil?
Berti - Das que não serão atingidas pelo Supera, muitas conseguem sobreviver porque têm um caixa. Negócios de pequeno porte têm mais condição. Mas micro e MEI são muito sozinhos. Perdeu o ponto, perdeu tudo.
MV - E o tempo para poder ajudar este grupo maior?
Berti - Já temos mais de 9 mil pedidos, com consultoria fazendo atendimento. Vamos dobrar o volume até julho. Mas o tempo está contra nós. Precisamos fazer de forma rápida. Se passar de 90 dias, muitas talvez não sobrevivam e vão ter de fechar as portas. Em meio a isso, também estamos dando assessoria para acessar crédito e consultorias online gratuitas. Lançamos um projeto de apadrinhamento de municípios. Hoje os 500 funcionários do Sebrae estão mobilizados nestes 90 dias. A gente fala que não tem projeto de A ou B, mas apenas um: projeto Sebrae de 90 dias de recuperação e todo mundo está trabalhando nisso.
MV - Que Sebrae sairá dessa ação e quanto vira exemplo para o Brasil?
Berti - Tem um trabalho muito forte aqui, mas que tem muito apoio do sistema nacional, que é olhar o território. Como se consegue construir territórios mais resilientes a essas situações. No País, já teve situações parecidas, como seca no Amazonas e incêndio no Pantanal, mas não tão extremas que afetaram os negócios e as cidades. O Sebrae Nacional percebeu que é oportunidade de repensar a abordagem. Isso está ocorrendo em paralelo. Vai sair um Sebrae diferente de tudo isso e muito mais consciente de seu papel social.
MV - O que muda?
Berti - Precisamos buscar um desenvolvimento mais sustentável dos nossos negócios. Os micro e pequenos empresários precisam olhar para suas empresas com perspectiva de perenidade, de longo prazo e como se adaptar às circunstâncias, desde eventos climáticos como os econômicos. Veio a pandemia e muita gente foi pega de surpresa e as mesmas pessoas foram surpreendidas de novo. 
MV - Como as empresas são afetadas pelo entorno?
Berti - Temos um projeto desenvolvido na Campanha, em 2023, chamado Líder, que está sendo a base da construção dessa abordagem territorial. A gente entende que as lideranças têm de ser articuladas para que o território se desenvolva de forma mais equilibrada e sustentável. A atuação do Sebrae vai ter de se voltar muito para as lideranças e sua articulação, como mobilizar para ter resposta rápida e ter planejamento de longo prazo. A gente acha que esta abordagem será potencializada na atual retomada. Líderes olham além de sua caixinha, o que elimina o ego. As pessoas passam a atuar pelo entorno. 

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