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Minuto Varejo
Patrícia Comunello

Patrícia Comunello

Publicada em 18 de Dezembro de 2023 às 01:25

"Consumidor está mais receoso e cauteloso", alerta Patricia Palermo

'Esforço de venda tem de ser muito maior, muito maior ', orienta a economista

'Esforço de venda tem de ser muito maior, muito maior ', orienta a economista

/PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
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Patrícia Comunello
Tem uma Patricia Palermo que os seguidores conhecem no Instagram que usa principalmente metáforas para traduzir e tornar mais claro temas que vão de juros, inflação e expectativas para consumir. E outra que é a economista-chefe da Fecomércio-RS. Mas as duas Patricias, no final das contas, convergem e se completam na hora de traduzir ou ampliar o alcance do típico economês.
Tem uma Patricia Palermo que os seguidores conhecem no Instagram que usa principalmente metáforas para traduzir e tornar mais claro temas que vão de juros, inflação e expectativas para consumir. E outra que é a economista-chefe da Fecomércio-RS. Mas as duas Patricias, no final das contas, convergem e se completam na hora de traduzir ou ampliar o alcance do típico economês.

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A coluna Minuto Varejo conversou com a economista, escolhida profissional do ano em 2016, pelo Conselho Regional de Economia do RS (Corecon-RS), sobre o andamento dos juros e seus impactos, o ritmo de reduzir e quando parar de mexer na taxa, além de indicadores que se movem mais devagar, quando poderiam até estar melhores, como a confiança das pessoas, que está no lado pessimista faz tempo.
Patricia, 43 anos e professora universitária há 20 anos, ajuda a dar um norte para varejistas e reforça que cautela e receio devem nortear o comportamento das famílias em 2024.

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Minuto Varejo - A Selic vai cair mais em 2024?
Patricia Palermo - Vai cair mais em 2024. A dúvida é até quando a taxa cairá no ano que vem. O Boletim Focus aponta para uma queda para até 9,25% ao ano. A nossa estimativa (Fecomércio-RS) é que ela pare em 9,75%. Em qualquer um dos dois casos, é mais baixa (taxa), mas elevada se formos pensar em termos reais, quando descontada a inflação. Isso tem muito a ver com a dinâmica dos gastos fiscais. A redução da taxa depende de três dinâmicas. A primeira é a desinflação em curso, que não será tão intenso quanto foi em 2023 - puxada pela queda de preços dos alimentos -, mas já há aceleração de preços. A segunda é o cenário externo, que não pode ser ignorado, o mundo hoje é globalizado e temos taxas elevadas em países que concorrem com atração de investimentos. Sem contar que os países desenvolvidos estão com juros elevados. Tudo isso pode afetar o câmbio, que respinga na inflação e afeta a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom). O terceiro item dessa dinâmica é a questão fiscal, que mexe no processo inflacionário, na percepção externa sobre o Brasil e nas expectativas. Das três variáveis, a fiscal tem mais peso porque afeta juros e inflação. Se o governo chutar o pau da barraca, a gente vai ter problemas.
MV - O que pode ser o pior dos mundos?
Patricia - O maior problema é se o Banco Central abandonar o compromisso de controle da inflação. O que pode acontecer? A gente pode continuar baixando a Selic, mesmo não tendo condições para isso. Se a gente não baixar os juros porque não tem mais condições de fazer isso é um problema menos pior do que continuar baixando quando não poderia baixar.
MV - Explica para a dona Maria por que baixar os juros nem sempre é bom.
Patricia - Para a dona Maria entender: nem sempre deixar uma criança correr fora de casa e tomar banho de chuva vai ser bom. Ela (a criança) fica feliz na hora, mas depois ela volta e fica gripada ou com febre, aí precisa ficar dois a três dias perdendo aula. Vai acabar indo mal nas provas e pode rodar de ano. Nem sempre que é bom para a gente no curtíssimo prazo vai trazer impactos positivo no médio e longo prazos. Remédio nem sempre é doce. Na maioria das vezes, tem gostinho amargo. Mas por que precisa tomar? Porque as pessoas sabem que fará mais bem que mal no final.
MV - O que é mais difícil saber: o limite até onde pode baixar o juro ou justificar que precisa voltar a subir?
Patricia - Não é uma pergunta fácil de responder. Quando a gente aumenta a taxa, fazemos uma política contracionista, que busca desacelerar a atividade e segurar alta de preços. É um mecanismo de controle do processo inflacionário. A gente de uma política de aperto (contração) há bastante tempo e agora estamos desapertando. A questão é: será que a gente pode ficar com uma política que não seja tão apertada ou que possa ter uma folga? A resposta para isso é dada pela dinâmica da inflação, que é muito influenciada pelas expectativa sobre preços. Se todo mundo acreditar que, no futuro, a inflação será mais alta, isso acaba acontecendo. Na economia, tem muitas expectativas autorrealizáveis, como quando indivíduos precificam a alta, o que gera efeitos na inflação.
MV - Em 2024, qual é a melhor conduta para não gerar influências negativas?
Patricia - Como sociedade, a gente precisa ficar vigilante. Precisa ficar claro: este cuidado com a inflação é importante para todo mundo. Em 1994 (quando surge o Plano Real), conseguimos, de fato, controlar a hiperinflação e fomos construindo uma instituição relevante para o País, que é a inflação baixa e passamos a dar valor a isso. Também deixamos de ser mais histéricos ao falar de juros e política monetária, para sermos mais racionais sobre esses temas. Quanto mais a política fiscal fizer a sua parte, menos a política monetária terá de fazer a sua. Se a gente não quiser juros altos, precisamos forçar o governo a cuidar melhor das contas públicas. A gente quer governos mais responsáveis do ponto de vista fiscal, que olhe mais o gasto do que a receita.
MV - O que empresas e famílias devem esperar em 2024?
 
Patricia - Vamos ainda conviver com taxas altas de juros, mesmo que elas baixem. Isso significa que teremos de ter cautela no uso do crédito porque continua caro. Os resultados operacionais das empresas precisam ser mais relevantes para cobrir os custos financeiros dos empréstimos. De outro lado, uma inflação mais baixa dá mais previsibilidade, e os preços ficam menos voláteis, o que é muito positivo em 2024. Mas teremos uma inadimplência ainda bastante elevada. Não vamos ver as torneiras do crédito se abrirem e vai ter ainda muita restrição. As famílias precisam cuidar muito das dívidas tomadas no passado antes de contrair novas.
 
MV - O comércio de eletromóveis e vestuário que não teve um ano bom pode ter melhores perspectivas?
 
Patricia - Se formos olhar as variáveis que afetam o comércio, no geral, elas estão melhores. Há, sim, um cenário mais positivo do que em 2023. Por quê? Uma coisa importante é que aumentou o número de empregados, principalmente aqueles com carteira assinada. Maior massa de salários significa maior volume de recursos para consumo. Vamos ter um crédito mais barato e acessível. Então, vamos ter maior demanda. Depois de muito tempo sem comprar os produtos, as pessoas passam a precisar adquirir as mercadorias. Há uma demanda reprimida. Móveis também se vendeu muito na pandemia, mas já é passado. O importante é que a pressão de custos não está mais aí. Temos um IGP-M negativo, indicando redução de preços de matérias-primas das cadeias de produção. Mas nem tudo são flores, pois há muita gente endividada e inadimplente. A briga vai ser entre as forças que impulsionam e as que contraem. Acredito que as primeiras são mais fortes. Tem um debate na mesa que é a limitação do uso do cartão de crédito em parcelamentos, que no varejo brasileiro tem peso muito grande. Outro aspecto é que muito da demanda por serviços em 2023 pode se acomodar no ano que vem, sobrando mais espaço para compra de bens.
 
MV - Quais serviços podem perder espaço?
 
Patricia - Achávamos que a demanda reprimida por serviços ia ocorrer toda em 2022, mas continuou vindo bem em 2023. Mas vai continuar neste ritmo ou já alcançou o novo patamar e parar nele? Outro detalhe que a gente teve um certo processo de desinflação dos serviços, mas muito menor do que ocorreu na média da economia. Isso mostra que o apetite por serviços foi maior do que pelo restante. Temos usado a expressão sobre 2024: otimismo cauteloso. Este ano o fato que mais pesou no comércio foi o clima. Teve chuva demais, com os impactos que vimos, em horário ruim, como fim de tarde, e até mesmo não veio, quando a previsão dizia que viria. Outro detalhe: o indicador de confiança da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, desde 2014, o consumidor está abaixo dos 100 pontos em termos de confiança, ou seja, está no ambiente pessimista do indicador. As pessoas ficam menos ou mais pessimistas, o que ocorreu mais recentemente. Isso mexe com a dinâmica como o consumo acontece e que vem bem e foi o que garantiu que o Produto Interno Bruto (PIB) crescesse este ano. O consumidor está mais receoso e cauteloso. Isso significa que o esforço de venda tem de ser muito maior, mas muito maior.
 
MV - Por que a galera continua tão pessimista, mesmo com PIB vindo melhor, juros e inflação baixando e mais renda e emprego?
 
Patricia - Temos algumas hipóteses. O PIB é puxado pelo agronegócio, mas regiões mais urbanas sentem menos isso. Outro ponto tem a ver com que as pessoas queriam que tivesse. Se for comparar com o passado que estava melhor, tem percepção não tão positiva agora. Bem ou mal, a renda média está muito parecida em termos de poder de compra com 2019. As pessoas também focam muito no que elas estão vivendo e não no todo. Outra coisa é que hoje a competição, no caso do varejo, aumentou. A lojinha concorria com a vizinha ou com a rede grande que tem do lado. Hoje a competição é com o mundo. Há influências políticas. Temos hoje indicadores econômicos melhores que a percepção das pessoas.
 
MV - Consumidor mais cauteloso é bom para lidar com fatores de risco macroeconômicos?
 
Patricia - A palavra que estamos usando para 2024 sobre a economia é que será um ano morno. Se a gente quiser fazer a diferença (empresas de diferentes setores), tem de botar a nossa energia para aquecer a atividade. As empresas têm de fazer diferente, olhar para dentro delas. Mesmo com este ambiente, os empreendimentos podem crescer, desde que sejam melhores do que os que concorrem com eles. Sei que dizer isso é clichê, mas é verdade. Em um País que cresce 2% ou 2,5% ao ano, posso crescer 20% ou 30%. Se o cenário começar a dar sinais de melhora perceptível, isso vai gerar mais consumo. Temos uma população de renda média baixa. Por mais que o brasileiro até tenha a intenção de poupar, isso poucas vezes se concretiza. Quando ele vê a facilidade de consumir, cede e consome. Melhor ter posição cautelosa, se enxergar melhora, vai (consume), do que o contrário. Até porque se começa a pintar uma coisa muito maravilhosa, as empresas começam a montar estoques. Se isso não se realiza, é mais custos, ainda mais neste quadro de dinheiro caro.
 
MV - Na gestão das empresas, o que vai pesar em 2024?
 
Patricia - Uma coisa legal que ocorreu agora é normalização de cadeias de suprimentos globais, que dispensa ter de ter estoques mais elevados. Isso dá mais fluidez aos negócios. Temos um IGP-M negativo. No Brasil, a maior parte dos aluguéis segue o índice, ou seja, vamos ter reajustes muito baixos ou não vamos ter, e isso pesa nos custos do varejo. Na frente salarial, teremos um INPC, que é usado nas correções, mais baixo que o IPCA, a inflação oficial. Com indexação mais baixa nos acordos coletivos, abre espaço para as empresas darem aumentos reais para empregados, se puderem e quiserem. Este ano tivemos grandes empresas com dificuldade de acesso a crédito, que ficou mais escasso, até porque tivemos a crise da Americanas, etc. Os dados de vendas são muito afetados pelo volume das grandes operações. Este ano deve ter um ambiente melhor para as maiores redes também.
 
MV - Você tem falado muito no Instagram sobre o baixo crescimento populacional. Por que este tema é tão relevante?
 
Patricia - Está em discussão o aumento do ICMS. O Estado tem historicamente problema fiscal, e o coração disso é a Previdência. Foi ignorado ao longo do tempo que as pessoas iam envelhecer, tanto que hoje mais da metade da folha é de inativos. Isso pesa no que vamos pagar de imposto para financiar este gasto que não temos como cortar. Como sociedade, estamos envelhecendo. O que estamos fazendo para envelhecer de forma saudável? O Estado, como setor público, não passou por isso de forma saudável e isso nos custa caro. Em 2060, a proporção será de duas pessoas com 75 anos ou mais para cada pessoa com 14 anos ou menos. Quando temos uma sociedade que envelhece, deixa de ser importante quantas escolas a gente constrói do que ver a qualidade. Isso é mais difícil. Somos uma sociedade que também tem fetiche pela juventude. Faço uma pergunta: estamos preparados para contratar pessoas mais velhas e para coisas mais simples? Jovens não querem fazer isso hoje. Precisamos pensar nisso urgentemente e isso implica em melhorar a educação. Além disso, vamos ter de pensar em uma nova reforma da Previdência.
 
MV - Como tu conduz a pauta na rede social?
 
Patricia - Meu Instagram é 100% orgânico. Escrevo sobre coisas que me chamam a atenção e que as pessoas precisam se ligar. Falo sobre o que me impacta, e um dos temas que vou trazer, porque é estrutural, é o desempenho do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e a pobreza no olho das crianças, além da queda dos juros (que já esta em @pati.palermo).
 
MV - Tu acha que descomplica a Economia ou fala de uma forma que as pessoas entendem?
 
Patricia - Sou professora há 20 anos, são 40 semestres dentro de sala de aula. O que me incomodava muito quando era nova é que os economistas falavam para si mesmos, usando termos que as pessoas não entendiam. Isso não é comunicação. Só vou ser lida se for entendida e vou ser entendia se as pessoas conseguirem traçar um paralelo com o que elas vivem. Economia está em tudo que a gente faz. Uso muito metáfora para explicar e funcionam muito. Traz simplicidade sem roubar a sofisticação do raciocínio. De verdade, acho que simplicidade não tem a ver com falta de sofisticação, mas com gerar afinidade de entendimento, facilidade de uso e repetição. A vida inteira sempre dei aula para não economistas, que são a maior parte. Não posso falar bobagem a ponto de ser criticada pelos meus pares, mas tenho de falar de um jeito acessível para quem é a maior parte dos meus leitores. Considerando que meu perfil é 100% orgânico, acho que ele está indo muito bem (risos).
 
MV - Vamos ter uma Patricia Palermo mais engajada nas redes sociais em 2024?
 
Patricia - Não prometo muito. Vou ter um otimismo cauteloso (risos).

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