A valorização do Bitcoin, considerando seu pouco tempo de existência, segue surpreendendo. Em pouco mais de 15 anos, uma unidade da primeira criptomoeda do mundo passou de um valor irrisório para, no final de 2024, ultrapassar pela primeira vez a marca de US$ 100 mil (aproximadamente R$ 600 mil).
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"O Bitcoin é o grande ativo da nossa era", afirma o economista e sócio da Liberta Investimentos, Fernando Ulrich. Em entrevista para o Better Future, podcast do Jornal do Comércio, ele explica os fundamentos por trás desse que é um dos principais ativos financeiros do século e explica como investir de forma mais segura.
Mercado Digital - Com o Bitcoin a US$ 100 mil, qual é a leitura que você faz desse atual momento da criptomoeda?
Fernando Ulrich - Eu estou nesse mundo há mais de 10 anos. Comecei a estudar essa tecnologia no começo de 2013. Um ano depois, escrevi o primeiro livro em português (Bitcoin: a moeda na era digital). A verdade é que, por um lado, vejo o que está acontecendo como inevitável. Quando entendi o potencial dessa tecnologia, as implicações de um dinheiro eletrônico na era digital, com todas as propriedades do Bitcoin - descentralização, segurança e a forma como o sistema foi concebido -, percebi que esse negócio ia longe. Se valeria US$ 50 mil, US$ 100 mil ou US$ 1 milhão, nem era meu objetivo prever preços, mas sim entender o potencial de crescimento. Hoje, ao analisar a trajetória, a curva de adoção e a evolução tanto da tecnologia quanto da percepção das pessoas, vejo que o Bitcoin veio para ficar.
Mercado Digital- O Bitcoin é o ativo da nossa era?
Ulrich - Sim. É o ativo da nossa era e para isso a gente precisa explicar um pouco até da sua invenção, do propósito da sua existência. Quem acompanha esse mundo sabe que o inventor por trás da tecnologia é o Satochi Nakamoto, só que até hoje não sabemos a sua real identidade. Tem sempre algumas especulações de quem seria, mas o mistério permanecerá no ar. Quando ele anunciou para o mundo essa tecnologia - no dia 31 de outubro de 2008 - , ele simplesmente soltou um paper numa lista de discussão de criptografia na internet no qual descrevia os principais conceitos. O título era "Bitcoin: a peer to peer Electronic Cash System", um sistema de dinheiro eletrônico de ponto a ponto ou entre iguais. Uma das primeiras características é o que o pessoal chama de criação imaculada, pelo fato de o criador não ser conhecido e, mais do que isso, ter desaparecido por completo e hoje não ter nenhuma influência, nenhum poder de decisão no rumo da tecnologia. Isso é importante para um ativo, para um dinheiro eletrônico que se pretende ser de verdade descentralizado e tão imutável e sustentável (como é o próprio ouro no mundo físico). Por isso eu acredito que é o grande ativo da nossa era. Ainda é difícil de entendê-lo, tem muita coisa para acontecer — ele existe há pouco mais de 15 anos, e isso é nada para a história de um ativo que pode ser tão transformador como o Bitcoin.
Mercado Digital - Qual a grande transformação que as criptomoedas estão trazendo?
Ulrich - O que vínhamos vendo é que, por mais que a gente tivesse Internet Banking e aplicativos no telefone, o dinheiro continuava físico, era o papel moeda impresso pelo Banco Central. Mas, entendendo o potencial da internet os novos modelos de negócios que surgiram, a própria ideia de riqueza e de serviço de produtos digitais, será que não faria sentido ter uma economia cada vez mais interconectada e digitalizada? Será que um dinheiro também puramente digital não faria sentido? Para mim, fazia todo sentido. A questão era como criar esse dinheiro e como fazer ele funcionar e transacionar, já que, á primeira vista, parecia muito estranho esse sistema descentralizado. Como assim não tem autoridade Central? Ninguém controla? Não tem um dono, não tem uma empresa, não tem um governo, não tem um órgão supranacional que dita as regras? O Bitcoin é uma moeda que veio com essa completa quebra de paradigma e, à medida que a gente vai entendendo todas as regras do sistema, as peças, a tecnologia, a criptografia, a rede distribuída, a parte econômica (que não é fácil a primeira vez),vamos aprendendo como essa pode ser uma rede segura e autossustentável.
Mercado Digital — O que que você recomendaria para quem não é um investidor, não é um especialista, mas quer investir nas criptomoedas? Qual seria o cenário mais seguro?
Ulrich - Primeiro, é preciso entender o mínimo. Eu sei que é clichê dizer 'aprenda, busque conhecimento', mas de fato isso é fundamental porque se você colocar qualquer dinheiro que seja sem ter a menor noção, vai acabar fazendo besteira. E se quiser colocar um dinheiro mais relevante ainda, que faz diferença na sua vida, tem que entender os riscos e a volatilidade. Se você fizer autocustódia — comprou Bitcoin de alguém ou numa corretora e transferiu pra uma carteira própria, que é nada mais do que um software que gerencia as senhas da sua carteira, do seu Bitcoin — é preciso testar, usar, executar os passos de segurança. Uma dica muito importante: use uma carteira primeiro, baixe ela, faça os passos de segurança, apague a carteira, restaure e transfira pouca coisa de Bitcoin para testar uma transação, o backup, entender como é que funciona. Todos nós já lemos casos de pessoas que tinham o Bitcoin a 100 dólares num HD, perderam há 5 ou 10 anos, e hoje poderiam ter centenas de milhões de dólares. A estimativa é que quase 20% dos Bitcoins que estão em circulação estejam já inacessíveis por senhas perdidas. Então, não subestimem esse ponto de saber usar uma carteira para fazer autocustódia. E aí, feito isso, defina uma expectativa realista e siga em frente.
Mercado Digital - Estamos evoluindo rapidamente com novas tecnologias e modelos de negócios. Vocé é otimista sobre o futuro?
Ulrich - Eu sou um cara otimista por natureza e sou otimista especialmente mais a médio longo prazo, porque entendo o grande potencial humano e da criatividade que nós temos, e que é infinita. Depois que eu estudei a fundo economia, especialmente no mestrado, consegui entender de fato a capacidade que nós temos enquanto sociedade e indivíduos de resolver os problemas mais difíceis das formas mais criativas. Não é apenas na tecnologia, tudo hoje tem tecnologia tem ciência. Sou um grande otimista, contanto que nós deixemos os indivíduos atuarem num ambiente de liberdade, de empreendedorismo, de livre concorrência e de responsabilidade para colher os frutos dos seus sucessos, dos seus negócios e também arcar com as consequências do que dá errado.