A suspensão de todas as contas associadas à plataforma de mídia social X no Brasil, atingindo os cerca de 20 milhões de usuários no País, tem muitas nuances e consequências.
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, justificada por preocupações com a segurança nacional e a disseminação de desinformação, traz à tona opiniões divergentes de especialistas em direito digital e juristas sobre os limites da legislação.
No mundo financeiro, aparentemente, o bloqueio do X no Brasil não afetou as ações da empresa, que tiveram uma ligeira queda, mas não que possa ser atrelado diretamente ao fato. Hackers atacaram os sistemas da Anatel e do Supremo Tribunal Federal, logo na sequência da suspensão do acesso ao X.
E, em mais um capítulo desse imbróglio, players concorrentes tentam aproveitar o vácuo, provavelmente temporário deixado pelo X, para conquistar usuários. É o caso da Bluesky, que anunciou na segunda-feira (2) que já alcançou 2 milhões de novos usuários na última semana. Lembrando que o Threads, da Meta, já havia surgido como uma das alternativas para quem usa o X, nunca decolou de fato.
No centro da polêmica, ele. Elon Musk, o empreendedor ousado, de negócios que vão desde a rede social até a Tesla, a SpaceX e Starlink (que teve as contas bancárias congeladas no Brasil). Um verdadeiro fundador digital que usa a sua presença nesse mundo como poucos líderes fazem hoje, para se posicionar.
É, provavelmente, o primeiro megainfluenciador que estamos tendo a oportunidade de ver, como aponta o estudo Creator Economy: the next phase of media, da Social Capital.
O executivo tem sido capaz de sustentar uma competitividade duradoura através das suas empresas aproveitando da lógica de produzir conteúdo, conquistar uma audiência leal e tentar construir confiança para vender seus produtos. “Elon Musk publica conteúdo de alto valor de produção de seus negócios diretamente no X, atraindo dezenas de milhões de visualizações”, aponta o estudo.
“Elon Musk abriu um canal como um CEO para falar diretamente com seu público, em uma época que poucos faziam isso. Ele foi um dos precursores, passou a ser uma voz com alcance gigantesco e se beneficiou muito de estar ali, independente do X”, analisa o fundador da Adventures e especialista em creator economy, Ricardo Dias.
A partir disso, o executivo se apropriou desse alcance para atrair a atenção das pessoas e vender seus produtos. Quando Elon Musk fala, as pessoas escutam, ele não precisa comprar essa atenção por meio de anúncios. “Isso é até mais valioso. Ele não interrompe um conteúdo que está fazendo para vender algo nas redes sociais, as pessoas estão ali para ver o conteúdo dele. É uma ferramenta poderosa”, comenta Dias.
Prova disso é que o custo de publicidade da Tesla versus as outras montadoras é ínfimo. “Toda marca deveria ter um canal muito forte para falar com o seu público, seja via seu CEO ou não. É fundamental investir para ter conteúdo de qualidade e com consistência”, finaliza.
Redes alternativas devem ter crescimento comedido
"DOIS MILHÕES de pessoas novas na última semana! Uma calorosa recepção a todos!", escreveu a plataforma Bluesky, em inglês e português. Com a queda do X, outras redes passam a tentar ocupar esse espaço entre os usuários.
Mas, ao que tudo indica, e analisando movimentos que aconteceram no passado com a Koo e o Threads, isso deve ser temporário.
“Neste momento há um crescimento de usuários no Bluesky e no Threads, que são similares ao X, com características de microblogs. São redes que surgiram muitos anos após o grande boom do Twitter, então, acredito que apesar do crescimento de ambas, não terão a mesma relevância e tamanho que o Twitter já alcançou um dia”, analisa Antonio Gelfusa Junior, especialista em redes sociais.
Para ele, a queda do Twitter é uma oportunidade para espaço em novas mídias deste gênero, mas no universo das redes sociais, por mais que sempre pareça que há uma saturação natural, há espaço para algo disruptivo. “Foi assim com o Orkut, Youtube, Twitter, Facebook, Instagram, LinkedIN e, mais recentemente, com o TikTok. A gente sempre acha que não há mais espaço para algo novo, até esse novo se apresentar”, analisa.
Ao mesmo tempo, ele aponta preocupação sobre os posicionamentos de Elon Musk. “O Brasil é uma democracia e há leis e recomendações que devem ser seguidas. A luta para pavimentar uma rede social que possa punir crimes é bom para todos, mas lutar contra isso de forma sistemática como ele tem feito, sem duvidas prejudica as instituições e as operações das empresas que levam seu nome e sua imagem”, relata.
Em retaliação, hackers atacam sites da Anatel e do STF
Mais um capítulo envolvendo a suspensão do X no Brasil foi o ataque de hackers aos sites da Anatel, da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal, além do escritório de advocacia da família do ministro Alexandre de Moraes.
Os ataques sofridos são do tipo DDoS (Ataques Distribuídos de Negação de Serviço ou Distributed Denial of Service), e representam sérios riscos para as organizações e indivíduos, afetando tanto a disponibilidade de serviços quanto a integridade de sistemas, comenta a cientista da computação, Michele Nogueira, que tem doutorado em Ciência da Computação pela Sorbonne Université, na França, e Pós-doutorado na Universidade Carnegie Mellon (CMU), Pittsburgh (EUA).
"Ataques DDoS são comuns em cenários polêmicos, especialmente quando há tensão social, política ou econômica. Esses ataques costumam ser motivados por uma variedade de fatores, que incluem raiva, desejo de protesto, busca por visibilidade, ou até mesmo por razões financeiras", analisa.
Michele alerta que, de uma forma geral, as instituições brasileiras ainda têm um caminho significativo a percorrer no que diz respeito à cultura de privacidade e cuidado com a segurança dos dados.
"Embora tenha havido avanços importantes, especialmente com a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), muitos desafios permanecem. Porém, esse ataque em questão não está diretamente relacionado à segurança dos dados, ele é mais voltado à segurança dos sistemas e da rede. Esses ataques visam essencialmente indisponibilizar serviços oferecidos na Internet diante dos motivos mencionados anteriormente", destaca.