Pedro Almodóvar, nascido em 1949, ator, diretor de cinema, roteirista e produtor espanhol mais conhecido no mundo desde Luis Buñuel, ganhou, entre outros troféus, dois Oscar, dois Globos de Ouro, um Leão de Ouro, dois prêmios em Cannes e cinco Goya. O quarto ao lado, seu último longa, ganhou o Leão de Ouro em Veneza e pode vencer dois Oscar.
Almodóvar sempre disse que não faria autobiografia e nem pediria a alguém para falar sobre sua vida e obra. Almodóvar mudou um pouco de ideia, e publicou O último sonho (Companhia das Letras, 192 páginas, R$ 79,90), uma coletânea de doze textos, que abrangem vários períodos de sua vida. As histórias vão desde os finais da década de sessenta até a atualidade, refletindo sobre suas obsessões e sua evolução como uma dos grandes artistas europeus.
Almodóvar retrata os sombrios anos escolares em colégios religiosos, a influência da ficção em sua vida, os efeitos inesperados do acaso, os inconvenientes da fama, o fascínio pelos livros, a experimentação com gêneros narrativos e a relação com as mulheres de sua família, em registros que revelam a conhecida força criativa de um dos mais aclamados cineastas de nosso tempo.
A "autobiografia" fragmentada, incompleta e um pouco enigmática baseou-se em doze contos inéditos do arquivo pessoal do autor, produzidos ao longo de mais de cinco décadas, incluindo auto-ficção, comédia, paródia, pastiche e gótico. Almodóvar fala da morte e da importância da mãe no conto-título. "A realidade precisa ser completada pela ficção para tornar a vida mais fácil", ensina Almodóvar, que, nos outros contos, fala de um vampiro em um convento e da história de amor entre Jesus e Barrabás, narrada pelo carcereiro.
Tratando de solidão, desejo, mortalidade, da dor e da glória da criação artística em sua forma mais honesta, o livro é uma janela para uma mente que nunca deixou de fazer suas angústias, sentimentos mais íntimos e obsessões se transformarem na matéria-prima de dezenas de filmes e outros trabalhos.
A cidade dos fetos sem pai (AGE, 200 páginas, R$ 63,20), romance de estreia da odontóloga e escritora Cláudia De Franceschi, tem linguagem clara e ágil, boa estrutura narrativa e traz histórias macabras de uma cidadezinha mergulhada num vale. Casas mal-assombradas, cemitério particular e o mistério envolvendo o nome da cidade vão seduzir os leitores.
Não consigo respirar! (Alcance, 560 páginas, R$ 79,90), do consagrado médico, professor universitário e escritor Waldomiro Manfroi, é um alentado romance que trata dos duros tempos que vivemos durante a pandemia. A protagonista Rosário viveu os horrores que todos vivemos, em meio a doentes, mortes e vacinas.
Mitos e verdades sobre o ESG (Planeta Estratégica, 288 páginas), da experiente jornalista Giuliana Morrone, fala de dados sobre esgotamento do planeta, de práticas ultrapassadas de empresas, desigualdade, discriminação e preconceito presentes e procura alertar sobre os descaminhos da sustentabilidade, sugerindo caminhos para as soluções.
Como disse o outro, a Feira do Livro é a mesma coisa cada vez melhor. Eu digo que não é só melhor, como também maior, com seus mil e tantos eventos. Em 1955, quando o Dr. Breno Caldas, dono do Correio do Povo, pediu ao saudoso jornalista e escritor Walter Galvani para ver o que estava acontecendo na Praça da Alfândega, a Feira cabia num olhar; agora está gigante, caleidoscópica, multimídia e infinita. Daqui a pouco irá até perto da Rodoviária e do Gasômetro, e gostaria que ela tivesse uma edição também lá pelo início do outono, talvez em algum shopping ou outro lugar fechado. Ou aberto. Que tal a orla? Cartas para a redação.
Essa Feira tem a marca inconfundível de um patrono altamente diferenciado, o grande Sergio Faraco, que saiu do Alegrete - o centro do planeta - para peregrinar e brilhar por pagos nacionais e internacionais que ficam em volta do País do Mario Quintana. Te mete! Numa das Feiras do tempo do chubidubidu, na qual vi de perto o Mario Quintana de meia idade ser apresentado para a jovem florescente Bruna Lombardi (depois foram tomar cafezinho na Rua da Praia), eu disse para o querido Maurício Rosenblatt: o senhor me lembra o Dom Quixote. Ele me respondeu, com sabedoria, humildade e humor, que estava mais para Sancho Pança... Pois era prático. Seu Maurício, maravilhoso, vive, junto com seu melhor amigo, Erico Verissimo.
Essa Feira tem a marca da reconstrução do nosso Rio Grande, depois do malvado e imerecido dilúvio. Mas não choveu na abertura da Feira, o que não impede, claro, de lembrar o best-seller Caminhando na Chuva do grande Charles Kiefer, que segue encantando gerações.
O que mais me encanta na Feira, depois de quase setenta anos lendo livros e cinquenta anos escrevendo sobre livros em jornais, é ver o livro impresso seguir sua trajetória multissecular pelo planeta. O livro impresso é uma das maiores invenções da humanidade, tem quase seiscentos anos e segue impávido, quase com o mesmo e fantástico design que foi criado pelo alemão Gutemberg em 1450. Poucos objetos tem a permanência, a importância e o impacto que o livro impresso teve, tem e terá.
Nada contra e-books e os leitores de livros digitais, mas a leitura silenciosa e individual do livro impresso segue uma experiência incomparável para estimular a imaginação, a inteligência, o conhecimento e o entretenimento. Há uns 40 anos, um amigo editor e escritor me disse, na Feira do Livro, que o livro impresso ia acabar. O livro impresso está muito vivo. Morreram muitos que diziam que o livro ia morrer. Meu amigo e eu também estamos muito vivos e por isso só digo o nome dele no privado.
Com a Feira, as flores e a primavera, tudo o que não tinha desabrochado até agora, desabrochará, para a alegria dos gaúchos guapos de todas as querências.
Não podemos esquecer de elogiar o operoso editor Maximiliano Ledur (Editora AGE), filho do querido professor Paulo Ledur, que lidera a Câmara Rio-Grandense do Livro, junto com o laborioso vice-presidente João Cervo (Livraria Cervo) e demais dirigentes batalhadores e funcionários. Cada Feira é um parto difícil, por vezes com necessidade de fórceps, mas horas antes da hora de abertura ela fica pronta. Ainda bem que não é como o Brasil, cujo parto é demoradíssimo... Feliz Feira para todos! O livro é um paraíso e um jardim portátil e com o livro a gente nunca está só. E não adianta querer censurar ou queimar livros. Eles são o território imortal e infinito da liberdade. Memória e livro são locais onde as coisas acontecem muitas vezes. Infinitas vezes, mesmo contra a vontade de tiranos.
(Jaime Cimenti)