O colibri (Autêntica Contemporânea, 336 páginas, R$ 74,90, tradução de Karina Jannini), do consagrado escritor italiano Sandro Veronesi, apresenta, em narrativa fragmentada, a saga de quatro gerações da família Carrera, ambientada em Florença e em outras pequenas cidades italianas. A história é contada de modo não linear e utilizando diversos gêneros, como cartas, e-mails, chamadas telefônicas, conversas de WhatsApp e documentos, e cobre um período que vai desde os anos 1970 até aos dias atuais.
Sandro Veronesi nasceu em Florença em 1959 e escreveu mais de vinte obras, entre romances, contos, poemas e peças jornalísticas. É considerado um dos escritores italianos mais importantes das últimas décadas e o único a receber o Prêmio Strega por duas vezes: uma em 2006, com o romance Caos Calmo, e em 2020 com este O colibri.
A narrativa é feita a partir de Marco Carrera, um oftalmologista cuja rotina estável é abruptamente interrompida quando um desconhecido, que, apesar disso, conhece a fundo seu passado, visita seu consultório com o aviso da iminência de um perigo. O encontro traz para Mario verdades inesperadas sobre sua vida e desencadeia um fluxo de recordações, envolvendo sua juventude, sua família e um amigo muito especial, além de uma paixão extraconjugal.
O apelido de colibri colocado em Mario pela mãe, na infância, se tornou uma feliz metáfora para ele, que sempre se manteve calmo e estável em meio ao caos das transformações. O romance ganhou uma adaptação cinematográfica, em 2022, pela diretora italiana Francesca Archibugi e protagonizada por Pierfrancesco Favino.
Como se vê, a obra nos instiga a reflexões sobre morte, vida, amor, traições, saúde mental, caprichos, resiliências, juventude e envelhecimento, um romance que emociona sobre a necessidade de olhar para o futuro com esperança. Um romance ao mesmo tempo engraçado e profundo, desses cheios de amor, humor e tragédia.
lançamentos
Diário tardio (Estação Liberdade, 128 páginas, R$ 56,00), de Max Mannheimer, pintor tcheco nascido em 1920, sobrevivente de Theresienstadt, Auschwitz, Varsóvia e Dachau, que sofreu todo tipo de humilhação, perdeu quase toda a família, revela uma vida de milagres. Ele escreveu as memórias em 1970 e publicou apenas em 2000.
Murdle - Volume 1 - 100 mistérios, de básicos a impossíveis, para solucionar usando a lógica , a habilidade e o poder de dedução (Editora Intrínseca, 400 páginas, R$ 59,90), de G.T.Karber, criador do jogo online Murdle, é um belíssimo livro de quebra-cabeças de mistérios e assassinatos inspirado no jogo de Karber.
Atravessando o deserto emocional (Paidós, 256 páginas, R$ 56,00), de Thais Basile, psicanalista e palestrante, autora do livro Nossa infância, nossos filhos, fala dos impactos de fazer parte de uma família emocionalmente adoecida e de como sobreviver a uma infância com falta de escuta , apoio e reconhecimento de suas dores.
Guerra Civil, democracia declinante e distopia
Não por acaso, o filme Guerra Civil, do premiado diretor Alex Garland (Ex Machina), com os atores principais Wagner Moura, Kirsten Dunst e Cailee Spaeny e lançado em abril, é sucesso internacional de bilheteria e tem recebido, no geral, críticas altamente favoráveis. O filme aborda questões essenciais de nosso tempo, como o alegado declínio da democracia em várias partes do planeta, a violência pessoal e coletiva crescente e decorrente, em especial, de polarizações e de fake news, bem como questões raciais e os problemas de imigrações. O papel da imprensa, tema candente da atualidade, é, igualmente, um dos tópicos relevantes do filme.
A narrativa se passa nos Estados Unidos de um futuro não muito distante, com dois importantes estados, Texas e Califórnia, em conflito com o resto do país. Num momento em que se aproximam as eleições nos EUA e tensões, adormecidas ou não, afloram em conversas dentro e fora de casa, nos transportes públicos e principalmente na internet e mídias sociais, o filme faz pensar. O longa metragem traz um cenário político onde motivos são secundários e, em verdade, a narrativa não é propriamente um filme de guerra. Está mais para um filme antiguerra, mostrando a frieza, a indiferença e a extrema crueldade de muitos seres ditos humanos, notadamente quando envolvidos em uma guerra.
Quatro jornalistas se aventuram, numa caminhonete, nas estradas de um país jogado numa guerra civil, capitaneadas por muitas facções, com cidades destruídas, ruas vazias, incêndios e aparatos do que sobrou de um Governo em estado de alerta. Os jornalistas querem cumprir seu papel, fotografar e entrevistar o presidente que não dá entrevistas, mesmo colocando em risco suas próprias vidas. Em muitos lugares roupas com a palavra Press não vão protegê-los e podem acabar sendo alvos de balas perdidas - ou mesmo balas certeiras, de quem não gosta de imprensa.
Em meio a muita ação, muitos efeitos impactantes e competentes de luz, imagem e sons altíssimos de tiros e bombas e cenas de violência aterrorizantes, retratadas muitas vezes em preto e branco, os espectadores vão sentir a angústia de viver em um país dominado por uma Guerra Civil que atira o país em uma incerteza imensa.
Na medida em que a caminhonete onde estão os quatro intrépidos jornalistas vai avançando, por estradas desertas, em direção a Washington, as coisas vão tomando um rumo cada vez mais veloz e perigoso. O país e seus habitantes vão sendo mostrados em cenas com duro realismo, e os espectadores vão experimentando sensações diversas e mesmo contraditórias, dignas de um mundo onde frequentemente não se sabe mais quem é quem e como tudo vai terminar. No vale-tudo da guerra civil, os humanos mostram que estão mais propensos a divergirem e se separarem por questões mesquinhas do que por defesas sinceras de um algum tipo de princípio nobre.
a propósito...
Guerra Civil não fala explicitamente ou totalmente em pessoas, locais e datas e isto não o torna, a meu ver, um filme isentão, como pretendem alguns. O filme apresenta mais perguntas do que respostas e provoca inquietação, medo, reflexão e inspiração para agir em um mundo como o nosso, com poucas referências, pessoas, ideias e proposições saudáveis e duráveis. O filme nos leva a pensar em convívio pacífico, democracia crescente, liberdade, meios de comunicação livres e nos eternos horrores de tempos de Guerra Civil, quando irmãos brigam dentro da própria casa, muitas vezes incentivados por oportunistas e sem saber realmente os motivos. (Jaime Cimenti)