Neil Gaiman - Histórias Selecionadas (Editora Intrínseca, 656 páginas, R$ 119,90) traz 52 contos e trechos emblemáticos de romances do britânico de 64 anos, autor de mais de vinte livros publicados para leitores de todas as idades e laureado dezenas de vezes. É uma bela porta de entrada para um dos mestres da literatura contemporânea, que já recebeu os prêmios Hugo, Bram Stoker e a Newbery Medal. Os textos foram escolhidos por leitores, em votação online.
Em mais de quarenta anos de carreira, Gaiman, com toques pós-modernos, experimentou vários gêneros e formatos, como ficção adulta, infantil e quadrinhos. Nessas histórias, que trazem terror, humor, amor, fantasmas, fantasias e mistérios, estão pessoas comuns com poderes esquisitos, esquisitos com problemas comuns, mundos maravilhosos e terríveis e o dito mundo real, não tão real como imaginamos.
Na realidade, Gaiman, com essas histórias múltiplas e versáteis, apresenta uma retrospectiva de sua vida pessoal e de sua carreira literária, as linha de suas vidas, com textos que cobrem o período que vai de 1984 a 2018. Os textos revelam sensações, descobertas, construções de mundos e personagens, mistérios e dúvidas e, enfim, tudo que o fez rir, chorar ou tirou-lhe o sono.
Marlon James, autor do premiado Breve história de sete assassinatos, escreveu na introdução: "Como Borges, ele escreve sobre as coisas como se elas já tivessem acontecido, descreve mundos como se já vivêssemos neles e conta histórias como se fossem verdades concretas que ele só estivesse compartilhando. Acho que não acredito que eu vá me descobrir na leitura de boa ficção, mas sim que descobrirei onde quero estar. Porque as histórias de Neil nos deixam com a sensação de que é no mundo dele que estivemos a vida toda, e que o mundo 'real' é que é de faz de conta."
"Adoro ser escritor porque, quando escrevo, posso fazer o que eu quiser. Não existem regras. Não existem sequer guias", disse Neil Gaiman, que gosta de deixar leitores felizes ou gelar o sangue deles.
Viva a Várzea! Histórias e personagens do futebol raiz (Bá Editora, 200 páginas), com prefácio de Nilson Souza, tem 17 textos de craques como Flávio Dutra, Márcio Pinheiro, Paulo César Teixeira e Léo Iolovitch sobre campos, times, jogos e figuras da várzea. Fotos de época estão na obra. Lançamento 30.04, 18h, Chalé da Praça XV.
Os 948 dias do gueto de Varsóvia (Estação Liberdade, 256 páginas, R$ 69,00), de Bruno Halioua, médico e professor de história na Sorbonne, Paris, traz relato conciso, preciso e edificante, com verbos no presente, sobre o levante, a resistência heróica da maior comunidade judaica da Europa. Relato essencial para isso não se repita.
A Lanceirinha (Libretos, 20 páginas), de Ângela Xavier, professora, escritora e diretora de teatro, com ilustrações do cartunista Alisson Affonso, obra para crianças e adultos, resgata o orgulho do povo negro pelos Lanceiros Negros, os heróis nacionais que lutaram bravamente até a morte na Guerra dos Farrapos e deixaram um legado de sonhos por justiça e inclusão.
- Você entrou no Café, não olhou para ninguém, sentou e não cumprimentou a barista, os outros e nem a mim.
- Prefiro que me chame de senhor. Não a conheço. Não tenho obrigação de cumprimentar quem quer que seja.
- É uma questão de educação, cordialidade e civilidade.
- Fique com sua opinião. A senhora é mal-educada, agressiva e metida.
- Mal-educado, inconveniente, inadequado e grosso é o senhor. Aliás, que mal pergunte, qual é sua identidade de gênero?
- Não seja invasiva, senão vou lhe processar. Não tenho que lhe dar satisfações sobre minha intimidade. E a senhora, o que é, hetero, binária, não-binária? É polissexual, pega geral? Ou já se retirou faz tempo do esporte dos lençóis?
- Sou o que sou, vou aonde quero, uso meu penteado preferido, falo o que bem entendo e nem sei bem porque ainda estou lhe dando ouvidos. O senhor tem jeito até de fascista. Que horror.
- E a senhora é o quê? Parece uma esquerdopata crônica, incurável, dessas que já era velha no tempo do finado Muro de Berlim.
- Não sou velha, velha é a sua cara. Sou idosa e não lhe interessa a mínima saber das minhas posições políticas e ideológicas. Fique na sua. Velho e superado é o seu jeito de ser e de falar e esse seu casaco de tweed com esses cotoveleiras gastas e ridículas, que deve ser herança do seu bisavô. Ele era tipo o Papai Sabe Tudo?
- Agressividade gera agressividade. Delicadeza gera delicadeza. Pensando melhor, está chovendo forte, estamos sem sombrinha e guarda-chuva e, pelo visto, teremos que ficar aqui nesse café minúsculo por mais um bom tempo. Uber e taxi a essa hora é complicado e caro. Melhor a gente baixar a bola.
- É verdade. Podemos conversar de modo mais cordial e falar de assuntos mais amenos, como música, cinema, flores, por aí. Vou até lhe dizer que o senhor parece com um tio meu, meio doido, conservador, mas simpático e boa gente.
- Pois é, nossa conversa estava meio desafinada, não é? Saí de casa atravessado hoje, com uns problemas perturbando as minhas ideias, saí querendo discutir e brigar com alguém, mas já notei que só vou ganhar a discussão com a senhora não começando a discussão.
- Bem, me chame de Clotilde, ou melhor, de Clô. Como é o seu nome?
- É Anacleto, mas prefiro que me chame de Cleto ou Cletinho. Você é parecida com alguém que não vou dizer quem é agora.
- Pensando bem, Cleto, também saí de casa meio nervosa, tensa, querendo descontar no primeiro que aparecesse. Sobrou para você. Está todo mundo a milhão, individualista, estressado, briguento. Essa chuva aí fora fez a tarefa dela, de repente.
- A chuva lava e leva tudo. Posso te oferecer um café?
- Sim, claro, obrigada, gentileza sua.
- Melhor agora é ficar quieto ouvindo esse jazz aí da Rádio Bossa Jazz Brasil. Tony Bennett e Amy Winehouse cantando Body and Soul nesse momento é algo que beira o sobrenatural. Melhor só Tony com Lady Gaga.
- Amy foi muito cedo, Tony teve menos pressa, renasceu com a ajuda de amigos e muitos anos depois salvou a vida de Lady Gaga.
- Obrigada pelo café.
- É um prazer, quem sabe será o primeiro de muitos. Venho sempre aqui. Mas não garanto nada, sou meio estranho.
- Agora que estamos nos afinando e despolarizando, quem sabe a gente possa tornar-se amigo, mas também não garanto nada, me conheço.
- Maravilha agora ouvir o Frank Sinatra cantando That's Life, retratando essas pessoas e esse nosso mundo maluco. Um dia vou te contar quem tu me lembras, e outras histórias.
- Um dia te conto sobre o meu tio simpático e maluco.
- A chuva está parando.
- Até outra hora.
- Até. Até que foi um prazer te conhecer, ao menos por enquanto.
(Jaime Cimenti)