Se houver defeito em automóvel novo, sendo necessária a substituição de peça por conta da fabricante e/ou da revendedora, a inexistência do item necessário resulta na responsabilidade de ambas, mesmo diante dos impactos da pandemia de Covid-19 e da guerra na Ucrânia. Estes dois notórios acontecimentos alegados pelas rés não caracterizaram o fortuito externo, que poderia afastar ou mitigar a responsabilidade das duas empresas.
A rara decisão foi proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), confirmando a condenação da Hyundai Motor Brasil Automóveis (montadora) e da Caoa Motor do Brasil (empresa revendedora) - ambas responsáveis solidárias.
A Hyundai matriz opera a maior fábrica integrada de automóveis do mundo em Ulsan, Coreia do Sul, onde sua capacidade de produção anual é de 1,6 milhão de unidades.
O acórdão sintetizou o principal preceito do caso: "A falta de peças de reposição de veículo adquirido zero quilômetro, lançado há pouco tempo no mercado nacional, caracteriza vício do produto, ensejando para o consumidor as opções de substituição do produto, restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço".
No caso em tela, o consumidor paulista Francisco de Assis Souza adquiriu um veículo New Creta, zero quilômetro, que foi furtado oito meses depois da compra, tendo sido localizado, em seguida, com defeito no módulo de ignição, o que impedia o seu acionamento. O cidadão não conseguiu voltar a movimentar o automóvel durante 70 dias, por falta de disponibilidade da peça, embora aparato idêntico seguisse equipando os demais veículos de mesma marca e modelo disponibilizados no mercado de consumo. Então ingressou em Juízo.
Sentença e acórdão da Justiça de São Paulo decidiram pela resolução do negócio com a devolução do veículo no estado em que se encontra. O consumidor fará jus a reaver o integral preço pago (R$ 140.890,00), corrigido, além de outros danos materiais. Esse desfecho financeiro ocorrerá nos próximos dias, cerca de três anos e meio após a compra.
O arremate do acórdão: "Nos termos do art. 18 do CDC, será possível falar em vício do produto sempre que verificada alguma desconformidade de qualidade ou quantidade capaz de tornar o bem impróprio ou inadequado para o fim a que se destina". Os julgadores foram os ministros Moura Ribeiro (relator), Nancy Andrighi, Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva e o desembargador gaúcho Carlos Cini Marchionatti, este atuando como convocado. (Recurso especial nº 2149058).
Defesa da advocacia
e da sociedade
Foi um ato histórico: a OAB/RS e várias entidades assinaram carta aberta em defesa da sustentação oral. Com auditório lotado, o evento reuniu autoridades e representantes da sociedade civil em prol dos direitos da advocacia e da cidadania. O ato foi na terça-feira como reação à ditatorial Resolução nº 591/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele passou a permitir e incentivar a aplicação do plenário virtual em todos os processos jurisdicionais e administrativos.
A resolução - que contraria a legislação - dispõe que os advogados deverão anexar vídeos com suas sustentações orais pré-gravadas no sistema digital, sem a possibilidade de realizá-las ao vivo de forma síncrona. Também não poderão suscitar questões de ordem. A alteração entra em vigor na segunda-feira, dia 3 de fevereiro, e todos os tribunais poderão livremente adotar o modelo ilegal.
Todavia, chamou a atenção positivamente, no encontro da Ordem, na terça-feira, a posição pessoal do desembargador João Batista Tovo, presidente da Comissão de Regimento Interno do TJ-RS. Ele anunciou que, na corte gaúcha, defenderá a opção a ser exercida pelos advogados: poderão enviar seus vídeos ou falar livremente ao vivo, durante o tempo regimental de 15 minutos. Parabéns!
Limites entre duas palavras
Com a proximidade da apresentação de uma denúncia formal pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro - pela suposta articulação de planos golpistas - o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que se debruçar sobre os limites legais do que é desejo e do que é ação. Então, definirá se, quando uma ideia golpista passa para a prática, configura, ou não, um crime contra a ordem democrática.
Não haverá unanimidade de 7 x 0.
Do vernáculo, a propósito
COGITAÇÃO - 1. Ação ou resultado de cogitar, de refletir; reflexão; 2. Ação ou resultado de imaginar como possível, ou tencionar algo futuro, de conceber projetos, planos etc.; 3. Intenção, plano.
TENTATIVA - 1. Ação ou resultado de tentar, de procurar conseguir ou realizar algo [ contra, de, para, para com ]; 2. Ensaio, prova, experiência.
Diz-se que o vernáculo é a linguagem sem incorreções, alterações ou inclusão de estrangeirismos. É a técnica redacional aplicada pelo escritor que se expressa com rigorosa pureza do idioma.
As idas ao banheiro
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgará, nas próximas semanas, um recurso repetitivo que trata do controle de idas ao banheiro. Será definido se esse tipo de controle fere a dignidade do/a trabalhador/a, configurando dano moral presumido. O caso trata de trabalhadores de teleatendimento, mas a decisão valerá para todas as categorias profissionais.
Em abril de 2024, a 3ª Turma do TST considerou que a prática caracteriza abuso de poder, ao analisar o caso de uma atendente que foi indenizada em R$ 10 mil.
Decisões diferentes sobre o mesmo tema também foram publicadas em 2024. Em agosto, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve decisão que negou indenização por dano moral a favor de uma trabalhadora de teleatendimento, que acionou o Judiciário por ter o uso do banheiro limitado.
Os trabalhadores de telemarketing têm um regime de horários e pausas que difere da maioria das outras categorias. De acordo com a Norma Regulamentadora nº 17, a jornada deles é de seis horas diárias com pausas obrigatórias de 40 minutos, divididas em uma de 20 minutos para alimentação e duas de dez minutos.
Lembrando as antigas parteiras
Interessante a decisão do STJ, ao dar provimento a um recurso especial do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). O arremate diz: "As enfermeiras obstétricas podem realizar parto domiciliar sem distocias, independentemente da presença ou assistência direta de profissional médico". A rara palavra distocia significa "parto difícil e anormal". A controvérsia jurídica consistia em definir se as enfermeiras obstétricas podem realizar parto domiciliar sem um médico.
O julgado do STJ modificou decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ) em ação civil pública proposta pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ). A instância federal fora desfavorável a duas enfermeiras (Halyne Limeira Pessanha e Heloisa Ferreira Lessa) que realizam partos simples sem a participação de médicos. (Processo nº 2099736).
Fez cirurgia bariátrica?
Cirurgias plásticas de reparação do corpo de paciente que passou por cirurgia bariátrica para tratar obesidade mórbida são uma continuação do tratamento. Nesta linha, eis um interessante precedente da 2ª Vara Cível do Foro de Atibaia (SP): a condenação da Porto Seguro Saúde S.A. a cobrir o procedimento reparatório de uma cliente. Ela passou a ter problemas decorrentes: ptose mamária assimétrica com flacidez, distrofias cutâneas e subcutâneas em região abdominal, dificuldade de asseio e de higienização.
A decisão considera entendimento do STJ, em 2023, no julgamento do Tema nº 1069: "É de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico assistente, em paciente pós cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do tratamento da obesidade mórbida".
No arremate, uma frase encorajadora: "Qualquer cláusula no contrato firmado que exclua o custeio da cirurgia requerida é abusiva e não pode persistir diante da expressa recomendação médica". (Processo nº 1009692-22.2024.8.26.0048).
"Fascista"?
A 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) manteve sentença que condenou o ator José de Abreu a indenizar em R$ 35 mil por danos morais o colega Carlos Vereza por chamá-lo de "sem caráter", "esclerosado" e "fascista" em uma postagem no X, antigo Twitter. O acórdão concluiu que as publicações extrapolaram os limites da liberdade de expressão e configuraram ofensa à honra. (Processo nº 0011510-28.2021.8.19.0209).