Na comarca interiorana, o juiz designa audiência de instrução da ação penal contra um homem de 30 anos. Ele é um sujeito tosco, mãos calejadas, acusado de tentar estuprar uma idosa, quase alquebrada, moradora em distante rincão.
A polícia chegara ao suspeito por indicações de vizinhos sobre a cor e tipo de moto que ele tripulava ao fugir depois da pretensa investida criminosa.
A defesa nega os fatos. Na audiência estão presentes o magistrado, o promotor, o advogado de defesa e a escrevente. O juiz determina que os PMs conduzam o suspeito e - à moda antiga compatível com a época - inicia a acareação.
- A senhora reconhece este homem, sentado aqui à minha frente, como o autor da violência?
A vítima fita o acusado e logo vai desviando o olhar para os lados. Mira o juiz, mira o promotor, mira o advogado de defesa.
Então a surpresa, na resposta:
- Esse aqui na minha frente acho que não foi. Eu tenho problemas de falta de memória e visão turva. Mas desconfio que pode ter sido esse moço ali ao lado...
E então a vítima aponta para o advogado de defesa, 36 anos, bem trajado e aprumadíssimo - talvez até cheiroso.
Inquietação, risos, constrangimento, etc. O juiz encerra a audiência. E já no dia seguinte, julga improcedente a ação penal, por falta de provas. A sentença traz referências minuciosas aos contratempos do "reconhecimento" ocorrido na véspera.
Detalhe importante: o "moço ali ao lado" - aquele de quem a septuagenária absurdamente desconfiou - dois anos depois fez concurso para a magistratura e hoje atua em comarca de entrância final. É um juiz atuante - no melhor sentido da palavra.
A veneranda senhora - supostamente quase violentada - agora reside no reino dos céus.
Cifrão assustador
A miséria e a pobreza no Brasil caíram - segundo levantamento do IBGE revelado esta semana - ao menor patamar desde 2012, mas a desigualdade persiste.
Neste 2024 ainda é assustador saber que 59 milhões de brasileiros vivem com R$ 22,00 por dia.
Cifrões do topo da pirâmide...
Autorização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dada, em 4 de outubro, tornou realidade o próximo pagamento retroativo (de janeiro de 2014 a maio de 2023) de auxílio-creche para 220 magistrados do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça Militar, ambos do Rio Grande do Sul. O valor a ser liberado é de R$ 8.205.351,15. Não houve necessidade de lei, nem de ação judicial.
A decisão do CNJ deferiu um recurso da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). Ela havia pedido ao TJRS, em 2018, a concessão do auxílio-creche. O argumento foi o de que outros tribunais já garantiam o penduricalho. E mais: uma portaria do próprio CNJ, em 2010, estipulava o pagamento do benefício.
Ah! Os 220 contemplados com a bondade não terão que esperar pelos precatórios. É um baita diferencial.
O vice sem assumir
Internado para se recuperar de uma cirurgia realizada na noite de segunda-feira, 9 de dezembro, o presidente Lula decidiu não transferir o exercício da presidência para Geraldo Alckmin, que segue como vice-presidente. A Constituição Federal não exprime obrigatoriedade de licenciamento em caso de breves cirurgias. A decisão de Lula não é inédita. Jair Bolsonaro, quando passou por uma cirurgia de emergência por aderências no abdômen em 2021, não passou o cargo ao então vice, Hamilton Mourão.
Conforme a Constituição, o presidente deve obrigatoriamente transferir o exercício do cargo ao vice se houver "impedimento". O que seria esse impedimento não está especificado. No caso de processos judiciais, como impeachment, ou fatores que inviabilizem o exercício das funções, é obrigatória a transferência. O presidente ainda pode pedir uma licença para tratar de interesses particulares, o que provoca o afastamento das funções oficiais. Esta licença não pode exceder 120 dias por ano.
O caso do relógio famoso
O mecânico Antonio Claudio Alves Ferreira, 32 anos de idade - condenado por quebra de relógio histórico no 8 de janeiro - começou a cumprir, esta semana, a pena de 17 anos, em regime inicial fechado. A peça histórica é um artefato francês do século XVII presenteado a D. João VI, em 1825. A restauração já foi concluída na Suíça e retorna ao Brasil ainda este mês.
Alexandre de Moraes, relator do caso, disse que a condenação de Ferreira "reflete a gravidade dos ataques e a necessidade de proteger os bens nacionais". Com isso, o STF encerrou o processo sem possibilidade de novos recursos.
O relógio destruído era um dos dois únicos exemplares conhecidos. O outro está no Palácio de Versalhes, na França. Ambos são feitos em casco de tartaruga e bronze. Na semana seguinte ao quebra-quebra, a Embaixada da Suíça ofereceu ajuda ao governo federal por deter conhecimento histórico na relojoaria. A cooperação foi classificada como uma "honraria" ao Brasil.
Parto sem tornozeleira
O ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu habeas corpus a uma mulher grávida para que ela não siga obrigada a usar tornozeleira eletrônica durante o parto. A gestante que é investigada por tráfico de drogas, está submetida à monitoração eletrônica desde agosto e chegou a estar presa. Ao pedir a revogação, a defesa a considerou "extremamente gravosa" em função do estado gestacional, "pelo menos até o fim do estado puerperal". O caso é do Paraná.
A decisão considerou que as cautelares determinadas pela Justiça estão adequadas às circunstâncias dos crimes. Mas avaliou que a imposição do monitoramento eletrônico no momento do parto é desproporcional. "É que a mulher em trabalho de parto fica sujeita a uma situação de vulnerabilidade física e mental, o que exige mais atenção do Estado quanto à preservação de sua dignidade e integridade" - foi o arremate. (Processo n° HC 956729).
Solidariedade
entre parentes...
A obrigação dos pais de prestar alimentos cessa com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor. A regra do artigo 1.708 do Código Civil é clara e foi aplicada pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. O julgado desobrigou uma mulher de continuar pagando pensão ao filho, que tem 30 de idade e é casado.
A tese do pseudo credor foi inusitada: "A maioridade extinguiu o poder familiar, mas não cessou o dever da mãe de pagar pensão, pois ele decorre da solidariedade que deve haver entre os parentes". O acórdão foi claro: "A obrigação alimentar que decorre da relação de parentesco, a partir do casamento passa a ser entre os cônjuges, em razão do dever de assistência mútua, conforme o artigo 226, parágrafo 5°, da Constituição Federal". (Processo nº 1005866-07.2019.8.26.0066).
Caráter pedagógico
A 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu a condição de professora a uma orientadora de estágio do núcleo de prática jurídica da Faculdade de Direito Estácio de Sá, do Rio de Janeiro. Segundo o acórdão, "a orientação em estágio jurídico tem caráter pedagógico essencial, mesmo sem seguir o ensino tradicional".
Nas instâncias anteriores, a pretensão da reclamante Lilia Paula Enriquez tinha sido rejeitada. O entendimento fora de que a atividade de orientação de estágio se diferencia do magistério tradicional, pois "não requer a preparação de aulas formais". No TST, o ministro Amaury Rodrigues observou que a Lei do Estágio (n° 11.788/2008) considera aquela etapa "parte integrante do projeto pedagógico das instituições de ensino e exige um acompanhamento efetivo de um professor orientador".
O julgado superior foi o de que "mesmo sem o envolvimento na elaboração de aulas ou a correção de provas, é essencial para o desenvolvimento prático dos alunos, configurando uma atividade pedagógica fundamental para a formação profissional". (Processo nº 100442-23.2018.5.01.0023).