É um mandamento constitucional: a remuneração dos ocupantes de cargos públicos não pode ultrapassar o valor pago mensalmente aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Tal regra do artigo 37 da Constituição tem sido sistematicamente burlada pelos tribunais estaduais do Brasil. Levantamento realizado pela ONG Transparência Brasil, publicado no domingo, 15 de setembro, pelo jornal O Estado de S. Paulo, revela que R$ 4,5 bilhões acima do teto constitucional foram pagos, em 2023, a juízes e desembargadores brasileiros. Tal cifra pode ser ainda maior, porque os dados disponíveis não estão completos e há erros nos registros oficiais cadastrados pelas cortes no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A Transparência Brasil reuniu dados completos de 12 meses de contracheques de 2023 em 18 dos 27 tribunais estaduais do País. O teto do funcionalismo no ano passado foi de R$ 39,3 mil até março; e R$ 41,6 mil a partir de abril. O Tribunal de Justiça do RS ocupa a sexta posição - relativa aos valores extrateto - pagos no ano passado; sua média mensal por magistrado foi de R$ 64,9 mil. À frente dos salários do TJ gaúcho estão os tribunais estaduais de Mato Grosso do Sul (R$ 85,7 mil), Goiás (R$ 82,3 mil), Minas Gerais (78,6 mil), Rondônia (R$ 72,5 mil) e Paraná (R$ 70,9 mil).
Os dados nacionais mostram também que um em cada três magistrados teve recebimento médio mensal acima de R$ 70 mil. E que 565 membros da magistratura brasileira em atividade receberam valores médios mensais superiores a R$ 100 mil. A Corte do Amazonas tem o menor vencimento médio - mesmo assim são R$ 51 mil em salários brutos aos seus membros.
Segundo a ONG Transparência Brasil, os R$ 4,5 bilhões pagos fora da regra constitucional aos magistrados brasileiros seriam suficientes para custear 556 mil famílias beneficiárias do Bolsa Família por 12 meses, considerando o valor mensal médio de R$ 670,00 repassado em 2023. Os dados ainda revelam que a despesa extrateto do Poder Judiciário estadual brasileiro é superior ao orçamento de 14 ministérios, incluindo o de Meio Ambiente e o do Planejamento.
As generosidades que criam 2,6 mil penduricalhos
O pesquisador Cristiano Pavini, que integra a equipe de autores do estudo, aponta a existência de 2.600 rubricas orçamentárias no Poder Judiciário que se convertem em ganhos financeiros para os magistrados - são os chamados penduricalhos. "São recursos que poderiam estar sendo reinvestidos pelo Judiciário na ampliação de seu quadro. Em vez de remunerar muito bem alguns membros, poderiam remunerar maior quantidade de membros, o que resultaria em um Judiciário mais célere e eficaz", afirmou.
A conta desenvolvida pela Transparência Brasil foi aplicada, mês a mês, nos comprovantes de ganhos oficiais de 16.892 magistrados estaduais. Dentre eles, 78% têm dados completos dos 12 meses. Em valores gerais, 78 juízes e desembargadores receberam mais de R$ 1 milhão acima do teto durante 2023, formando a média mensal de R$ 83,3 mil. Apenas 3,3% (434 pessoas) do grupo dos 13 mil não tiveram ganhos extrateto na somatória do ano.
Como já informado aqui no Espaço Vital, os penduricalhos são criados em decisões, resoluções e portarias que são compartilhadas por diferentes categorias. Para receber mais no fim do mês, não são necessárias leis... As carreiras públicas ainda pressionam o Congresso e os seus órgãos de controle por mais benefícios que turbinem os salários a cada 30 dias. Os penduricalhos que estão na fila para serem aprovados - como o chamado quinquênio - podem ampliar os gastos com esse tipo de pagamento e a desigualdade de remuneração entre os Poderes.
Contrastes do Poder
O projeto do prédio do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi concluído pelo arquiteto Oscar Niemeyer em 1989. A construção ocorreu de 1990 a 1995. A inauguração foi em 22 de junho de 1995. O idealizador faleceu, aos 78 de idade, em 1999. O tribunal está agora se movimentando para ampliar a sede em Brasília. Seria para resguardar, por segurança, o setor de tecnologia da informação do tribunal. Excelente, mas...
... Acontece que o STJ tem 1.837 servidores para ocupar todos os seus espaços, inclusive o novo bloco com 14 mil m2 (divididos em três andares e dois subsolos de garagem). E desse contingente humano, 911 dos funcionários atuam em esquema de home office. Percentualmente, são 49,5% em casa.
Entenderam? Alguém até poderia pedir vista e apresentar um econômico voto divergente.
Menos consultas, mais exames
De 2019 a 2023, os brasileiros com caros planos de saúde fizeram menos consultas e se internaram menos vezes em hospitais. Porém, se submeteram mais a exames e a atendimentos ambulatoriais. Esta síntese é de uma tabulação da Associação Nacional dos Hospitais Privados. A base para o levantamento são dados da Agência Nacional da Saúde.
Comparando: a) eram seis consultas por pessoa em 2019 e baixaram para 5,5 em 2023; b) foram 0,193 internações por pessoa há cinco anos e, no ano passado, foram 0,189; c) os exames passaram de 19,8 para 23 por pessoa em 2023; d) os atendimentos ambulatoriais aumentaram de 3,7 por pessoa para 3,9 no período.
Eis o arremate: o tempo de permanência dos internados nos hospitais é, neste 2024, o menor da série histórica, que começou em 2012. As internações duram, em média, 4 dias.
Simplesmente milionários
Um grupo de 38,4 mil empresários recebeu R$ 46 bilhões em lucros distribuídos por empresas do Simples Nacional em 2022. São pessoas com renda individual média de R$ 1,5 milhão, considerando esse e outros rendimentos declarados. Eles representam menos de 2% das pessoas que declararam lucros do Simples e ficaram com 20% dos dividendos. O levantamento foi feito com apoio da Samambaia.org e tem como base dados publicados pela Receita, das declarações do Imposto de Renda Pessoa Física 2023 (ano-base 2022).
Uso de bens apreendidos
Bens apreendidos em ação penal podem ser usados para o pagamento de verbas trabalhistas. A decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-RS) refere-se ao caso de empresários condenados à prisão por fraude à Receita Federal. Sete trabalhadores ingressaram com ação de arresto contra o dono do posto de combustível Ponta do Morro das Pedras Comercial de Combustíveis Ltda., de Sapiranga (RS), que fechou sem pagar as verbas trabalhistas. A ação cautelar bloqueou os bens para garantir os pagamentos nas ações posteriores.
As partes chegaram a acordar o parcelamento das verbas trabalhistas. Mas, após o pagamento de algumas parcelas, o restante não foi honrado. Os trabalhadores, então, descobriram que o estabelecimento tinha outros sócios, e passaram a cobrar deles os valores na Justiça do Trabalho. Esses sócios haviam sido condenados por fraude de R$ 9,5 milhões à Receita. As penas variaram de um a dez anos de prisão. Diversos bens foram apreendidos e valores bloqueados na ação penal.
A defesa dos trabalhadores ingressou com pedido de bloqueio de até R$ 168 mil para garantir o pagamento. A 1ª Vara do Trabalho de Sapiranga indeferiu, em razão de manifestação da Justiça Federal de que o processo já fora encerrado em primeiro grau, com os valores destinados à União para pagamento de impostos. Os trabalhadores ingressaram com agravo de petição no TRT-RS. Tiveram êxito.
O desembargador relator João Batista de Matos Danda decidiu que os créditos trabalhistas se enquadram na ressalva prevista no inciso II do artigo 91 do Código Penal. Ele prevê que haverá a perda em favor da União dos bens oriundos de crime, "ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé" (...) "e neste contexto, os empregados têm direito ao adimplemento dos valores devidos". Assim, o processo voltou ao juízo de primeiro grau, que já determinou a expedição de mandado de reserva de valores junto à ação penal, que tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. (Processo nº 0020079-59.2016.5.04.0371).