Mesmo que 66% dos magistrados brasileiros de primeiro e segundo graus ganhem mais do que os ministros do Supremo, a prestação jurisdicional volta e meia assinala episódios inaceitáveis. Os fatos chocam diante das remunerações profissionais engordadas por penduricalhos. O RS não é exceção. Contou-se aqui, há duas semanas, o caso da demora de 16 anos de um processo que, na comarca de Parobé (RS), empurra sua solução lentamente para os lados. O tema: dano moral decorrente de alegado erro médico em parto hospitalar, que transformou um bebê em um ser especial. A conjunção é de apatia jurisdicional, indiferença com pessoas, corporativismo etc. (Processo nº 5000052-85.2008.8.21.0157).
Na semana passada, viu-se aqui o campeão da demora trabalhista em Porto Alegre. É uma ação - ajuizada em 5 de dezembro de 1989 - em que engenheiros funcionários do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) tiveram reconhecido, em 16 de julho de 1990, o direito a diferenças salariais com repercussões em horas extras, férias, 13° salários, depósitos do FGTS etc. O trânsito em julgado ocorreu em 1992. O porquê da demora posterior ainda não está explicado. Mas, pelo menos, logo após a publicação aqui, os volumes foram rapidamente transformados em autos eletrônicos. O crédito incontroverso de 215 pessoas é de R$ 34.975.282,57. Desde esta segunda-feira, 8 de setembro, estão sendo expedidas as requisições de pequeno valor. O restante, via precatórios, entrará na fila de imprevisível longevidade. (Processo n° 1219400-34.1989.5.04.0006).
E na última sexta-feira, 6 de setembro, surgiu uma terceira tartaruga forense relatada pela advogada Mirna Fensterseifer: "Na comarca de Torres (RS), há um processo de divisão de áreas que é o mais longevo do Estado". Tramita desde 1º de agosto de 1988. A sentença da primeira fase foi proferida (prazo razoável) em 11 de junho de 1991, pelo juiz de 1º grau Almir Porto da Rocha Filho, em início de carreira. O magistrado seguiu sua brilhante trajetória, chegou a diretor do Foro de Porto Alegre, foi promovido a desembargador e... se aposentou. Com 36 anos e um mês de tramitação, está impregnada com o cheiro característico tico do litoral do Atlântico Sul. Previsão de solução definitiva? Não há, mas pelo menos o processo já ganhou novo número: 5000161-39.2003.8.21.0072.
A resoluta radiocorredor advocatícia conferiu os passos da lenta jurisdição torrense e confirmou que, neste momento, a vagarosa líder estadual é mesmo a tartaruga de Torres, cidade conhecida como "a capital nacional do balonismo" (Lei Federal n° 14.808, sancionada por Lula em janeiro deste ano). E um advogado local, entrementes, lembrou que "no nosso fórum também nos dão balões"...
IstoÉ indenizará Michele Bolsonaro
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou, no dia 3 de setembro, a revista IstoÉ e o jornalista Joaquim Germano da Cruz Oliveira a indenizarem a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro por danos morais. Eles pagarão, respectivamente, R$ 30 mil e R$ 10 mil. O julgado verbera um artigo publicado em fevereiro de 2020 no site da revista. Título: "O esforço de Bolsonaro para vigiar a mulher de perto". O texto abordava supostos problemas no casamento de Michelle com o ex-presidente. O acórdão superior também determinou que a editora publique, no mesmo meio digital e com a mesma visibilidade, uma retratação sobre as alegações de instabilidade matrimonial e infidelidade. A obrigação deverá ser cumprida no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.
Uma frase do acórdão superior: "Não foi evidenciado zelo na apuração dos fatos, carecendo de verossimilhança as informações relatadas, concluindo-se que houve abuso da liberdade de informar". O processo tramitou, antes, nas duas instâncias da Justiça Estadual de São Paulo, buscando indenização de R$ 100 mil. As decisões ali foram de improcedência. O recurso ao STJ insistiu na tese - efetivamente acolhida - de que a publicação foi sorrateira e tendenciosa. (Recurso especial nº 2066238).
A mão-boba do ministro
A demissão do ministro Silvio Almeida - da pasta dos Direitos Humanos (!) - trouxe à evidência a volta da (quase em desuso) expressão mão-boba. O professor de Português Paulo Flávio Ledur fez, para o Espaço Vital, apreciada síntese sobre os dois sentidos básicos da expressão.
1) "Trata-se de'movimento das mãos de quem tenta dissimuladamente tocar outrem com propósito libidinoso."
2) De "gesto de punguista, na tentativa de roubar disfarçadamente".
Em "mão-boba", em qualquer destas acepções, o adjetivo "boba" tem seu significado original completamente adulterado, pois de bobo essa mão nada tem; pelo contrário, está plena de esperteza. Na verdade, ela está se fazendo de boba; em outras palavras, faria jus a outra imagem consagrada na linguagem popular: "Ela se faz de morta para ganhar sapato novo"...
Sexta troca
Silvio Almeida foi a sexta troca no primeiro escalão do governo Lula. Essa de agora foi a primeira que não teve natureza política. Na crise atual, há a agravante de envolver outra integrante do ministério, a titular da pasta da Igualdade Racial, Anielle Franco.
As anteriores substituições tiveram como principal objetivo o reforço da base parlamentar no Congresso.
Limonada pós limão
A demissão de Silvio Almeida (sexta troca no atual governo) deua Lula a chance de reforçar a cota feminina no ministério. Em crises e mudanças anteriores, o presidente da República foi criticado por sacrificar mulheres - foram os casos de Daniela Carneiro (ex-Turismo) e Ana Moser (ex-Esporte), trocadas por homens. E também reduziu a participação feminina no Supremo Tribunal Federal (STF), onde Flávio Dino entrou na vaga de Rosa Weber.
Lula agora nomeia uma mulher - e negra - saldando parte do passivo. E ainda põe molho açucarado na novela política.
"Astronáutica-Geral da União"?...
(Da série "Ainda não vimos tudo"). Pensava-se que, conforme o artigo 113 da Constituição, a Advocacia-Geral da União (AGU) tivesse como primordial objetivo a representação da União no campo judicial. E que, abrindo o leque, ainda, exercesse atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Mas no domingo, 8 de setembro, o jornalista Lauro Jardim, de O Globo, tornou pública esta pérola: "A AGU indicou, sabe-se lá por que, a sua chefe de gabinete e a coordenadora de sistemas estratégicos para participarem do Congresso Internacional de Astronáutica que será realizado na Itália". Serão 11 dias em Milão, na Itália, com todas as despesas pagas pelo erário. As duas viajam de 9 a 20 de outubro. O evento ocorre entre 14 e 18.
Perspectivas espaciais
Em nota, a AGU afirma que as servidoras apresentarão quatro artigos científicos. Estes "tratam de temas relacionados às atividades da Advocacia-Geral da União" e as servidoras "serão coordenadoras de uma mesa onde discutirão perspectivas para o avanço do Direito Espacial como tema acadêmico".
Em tempo: a AGU tem um orçamento anual de
R$ 4.120.000.000,00. Ah, sim, são valores astronômicos.
Anistia e limitação?
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara discute nesta terça-feira o projeto de lei que concede anistia para os condenados nos atos de 8 de janeiro de 2023. A votação, porém, vai demandar mais tempo, porque o relator Rodrigo Valadares (União-SE) ainda não apresentou seu parecer. Regimentalmente, a base do governo terá o instrumento de pedido de vista para que o relatório seja melhor analisado.
Também nesta terça haverá outra sessão para votar propostas de emendas constitucionais (PECs) que limitam a atuação do STF.