Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Espaço Vital
Marco A. Birnfeld

Marco A. Birnfeld

Publicada em 27 de Junho de 2024 às 19:18

O diário de um juiz e a investida da octogenária

DEPOSIT PHOTOS/EV/DIVULGAÇÃO/JC
Compartilhe:
JC
JC
Carlos Alberto Bencke, desembargador aposentado do TJ-RS e advogado
Carlos Alberto Bencke, desembargador aposentado do TJ-RS e advogado
Sou juiz e me orgulho ter escolhido ser. Vou todas manhãs ao fórum. Dali para casa. Almoço com a esposa e a única filha. Tem a sesta. Depois, fórum novamente. Na sequência, casa outra vez. Comarca pequena. Sou o único magistrado. Minhas conversas são restritas. Falo com o promotor e um ou outro advogado que me procura. Com os servidores falo também, por suposto.
Vidinha tranquila. Ando a pé. Ninguém me ataca na rua. Se atacasse, eu cortaria a conversa ali mesmo. Respeitam o juiz! O cargo merece consideração. Falar com o juiz seria desrespeito? Não. Mas, tem lugar certo, hora exata, audiência marcada. Atendo a todos. É meu dever - e este se cumpre. Como se faz com a lei.
Mantenho o recato, o pudor, a ética, a conduta ilibada. Quero o mesmo dos servidores também. Coloco terno e gravata todos os dias, faça frio ou calor. Faz parte da liturgia do cargo. Também exijo bem trajar de todos. No fórum nada de minissaias, bermudas, chinelos. O cidadão é livre, mas o servidor é exemplo.
A cidadezinha ficou desse jeito. Endireitou. Desde que cheguei na comarca há dois anos é assim. Até que um oficial de justiça pediu para falar comigo. Com um recado: "Assunto sério. Grave. O tema é escabroso".
Acedi na hora. "Entre, sente e abra a conversa. Não tenho tempo a perder. Tenho sentenças a revisar" - disse-lhe.
"Doutor, no processo número tal (e ele me disse o número), já certifiquei"...
Atalhei: "Vou ler".
Então vi escrito, literalmente: "Diligenciei à rua (...) onde fui atendido pela sra. Izaurinha, aparentando ter 80 anos. Expliquei o que era e ela disse que providenciaria o endereço do sobrinho. Que aguardasse. Após alguns minutos, a referida apareceu totalmente nua e forçando este oficial de justiça a manter relações sexuais com a mesma. Ato só não foi consumado por motivos alheios à sua vontade".
Estava tudo certificado. Com fé pública.
Pensei. Dona Izaurinha é conhecida na cidade. Recatada, religiosa fervorosa, foi muito bonita, outrora muitos pretendentes, torcedora do Grêmio, solteira e - dizem - virgem. Pode fazer o que quiser. Mas, a dúvida era: que "motivos alheios à sua vontade" eram esses? Que fatos interromperam sua investida?
Conjeturei: o oficial de justiça recusou, ou... falhou; o sobrinho apareceu de súbito e o oficial de justiça citou-o; o oficial de justiça informou o resultado do Gre-Nal; ou o oficial de justiça certificou na hora que... Renato fica!
Não tive mais dúvidas: a cidadezinha perdeu o recato. (E olhem que não estou falando em segunda divisão, nem em Série B).
 

Os mal prestadores

O número de novas ações contra planos de saúde cresceu quase 33% em apenas um ano no Brasil. A quantidade chegou a 234,1 mil processos em 2023, segundo dados do CNJ - a média, assim, é de 641 novos processos diários específicos. E como cada dia tem 1.440 minutos, há uma nova ação a cada dois minutos, contra uma, duas, três, quatro, etc. das 680 operadoras médico-hospitalares ativas. Destas, segundo a ANS (Agência Nacional da Saúde), as cinco maiores são Bradesco Saúde, Amil, Notre Dame, Unimed e Hapvida.
O número de novas ações é 32,8% maior do que as 176,3 mil demandas judiciais contra convênios médicos em 2022. E a alta é também muito superior à observada nos processos contra o Sistema Único de Saúde (SUS) no mesmo período. Em 12 meses, os pedidos judiciais por tratamentos e medicamentos na rede pública aumentaram 11,8%.
O gasto das operadoras com condenações judiciais teria sido, segundo elas, de R$ 5,5 bilhões no ano passado - o valor foi 37% maior do que o de 2022. As argentárias empresas dizem que o aumento expressivo no número de ações não está relacionado a falhas na prestação de serviço, mas, sim, à aprovação da Lei nº 14.454/2022. Esta determinou que os planos de saúde devem cobrir procedimentos não incluídos no rol de cobertura definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Segundo as operadoras, "isso abriu brecha para os beneficiários demandarem todo tipo de tratamento na Justiça, independentemente da indicação clínica e evidências científicas".

Faz de conta

A propósito, bons professores de Português ensinam que faz de conta é um substantivo masculino de dois números e quatro substantivos: 1. Mundo da imaginação, da fantasia. 2. Dissimulação, fingimento.
Faz de conta é também o conhecimento que se constrói brincando com imaginação e ação. É assim que as crianças se expressam em relação ao mundo que as cerca. E o professor tem papel central nessa atividade.

A vizinhança do tráfico

Não é à toa que o tema segurança pública pauta os debates políticos no País. Seis em cada dez brasileiros (61%) relatam ter visto ou ouvido falar sobre crimes ligados ao tráfico de drogas em suas vizinhanças. O índice está 24 pontos acima da média identificada na pesquisa Global Advisor Crime, feita pela Ipsos em 31 países e que põe o Brasil na liderança. Na sequência vêm o Chile (60%) e a Colômbia (54%). Na outra ponta, Israel (15%), Polônia e Nova Zelândia (22%).
O estudo, que verifica a percepção da população sobre crimes e aplicação da lei, pode servir de base para gestores enxergarem os desafios sociais à frente. Pobreza e desemprego são apontados como as maiores causas para a criminalidade no Brasil. A má qualidade da educação vem em seguida.

Adesão zero

Principal medida de arrecadação para 2024, a negociação especial para contribuintes derrotados pelo voto de desempate nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) teve adesão zero até agora, segundo a Receita Federal.
Neste ano, o órgão já julgou cerca de R$ 90 bilhões em conflitos tributários por mês. Mas os contribuintes derrotados no desempate ainda estão negociando com o fisco o pagamento.

Campeões da coincidência

Vez por outra, um negócio bilionário chama a atenção no Brasil, pelo valor, pelas circunstâncias ou pelos personagens envolvidos. No caso da venda de 12 usinas térmicas da Eletrobras na região amazônica - arrematadas pela Âmbar Energia (empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista) - foi tudo isso junto. Anúncio do negócio, no dia 10 de junho, intrigou o mercado.
Na semana seguinte, uma medida provisória do governo Lula sanou a curiosidade. Numa tacada, os R$ 150 milhões mensais do custo das usinas foram repassados para as contas de luz de todos os consumidores brasileiros.

Vitória da jogatina

E com goleada! Por 14 x 2 votos, a CCJ do Senado aprovou o projeto de lei que autoriza o funcionamento de cassinos, jogo do bicho, bingos e outras modalidades de jogos de azar no Brasil. Como o projeto já passou pela Câmara, falta só o voto do plenário dos senadores para que o texto vá à sanção de Lula, restabelecendo a legalidade da jogatina no país.
O projeto não foi apreciado pela Comissão de Segurança Pública. Isso acontece enquanto abundam as notícias da expansão do crime organizado. Enfim, somos o Brasil 2024.

Notícias relacionadas